Amanhã (02 de dezembro), às 11h, começam as atividades do Conviviações; construindo o convivialismo juntos com uma conversa sobre o tema “Convivialismo como teoria e prática“, tendo a presença de Marc Humbert, Michele Guerreiro e Jaime Torres Guillen.
Como preparativo, publicamos um pequeno texto em que Marc Humbert apresenta as premissas do Segundo Manifesto Convivialista. Ele pode ser um meio para conhecer mais o Manifesto. Com o mesmo intuito, sugerimos a leitura do prefácio de Alain Caillé e da apresentação dos convivialistas ao Manifesto, que estão no site do convivialismo no Brasil.
Vale indicar que Jaime Torres Guillen, um dos participantes de nossa mesa redonda, tem um belo texto sobre “Adoecer em um mundo convivial: debates para o tempo que vem“, que foi publicado no Fios do Tempo em 15 de maio de 2020.
Desejamos uma excelente leitura. Até amanhã!
A. M.
Fios do Tempo, 01 de dezembro de 2020
Premissas do
Segundo Manifesto Convivialista
Marc Humbert
Neste texto, nós definiremos brevemente o que é o Convivialismo e, a partir de então, indicaremos o que nos levou do Primeiro ao Segundo Manifesto Convivialista. Depois disso, especificarei qual é esperança que dele origina.
O convivialismo é uma abordagem filosófica resolutamente relacional do mundo, da vida e da vida humana, que tem o objetivo de dizer como esta vida pode se tornar, para todos os seres humanos, uma boa vida, dentro de uma boa sociedade (entendendo por isso o sentido dado por John Galbraith em The Good Society – The Humane Agenda, 1996).
Aos princípios do Primeiro Manifesto, publicado em 2013, foi acrescentado no Segundo Manifesto um princípio, que enfatiza que não devemos nos situar como sujeitos diante de um objeto da natureza, pois devemos reconhecer que somos descendentes dos primeiros organismos vivos nascidos na Terra, e que, portanto, a natureza nos imerge tanto quanto nos rodeia. É o princípio da comum naturalidade, o da nossa permanente e íntima interdependência com tudo o que constitui este mundo, o que torna necessário, entre outras coisas, repensar nossa relação com os animais.
Os outros princípios são retomados através da associação desta noção de interdependência com as relações entre os seres humanos, considerando-se, de acordo com o princípio da comum humanidade, que todos nós como similares em essência. Esta última proíbe qualquer discriminação entre nós, pois só poderia ser totalmente arbitrária. Este fundamento objetivo de nossa existência é ampliado pelo princípio da comum socialidade, que nos lembra que a vida nos é dada através de um processo natural, mas é também socializado e continua ao longo de nossas vidas.
Assim, no princípio de tudo está a sociedade que nos educa e nos forma. A qualidade de nossas relações de interdependência, de boa ressonância com os outros e com o mundo, contribui para a construção de uma boa vida para nós. O quarto princípio resulta de uma escolha ética do Convivialismo, postando que devemos visar a emancipação de cada um e de todos. Uma boa sociedade não pode ser totalitária, ela deve respeitar o princípio da individualização legítima de seus membros. Isso certamente não significa dar-lhes liberdade individual ilimitada. A sociedade se tornaria então líquida, atomizada e um lugar de confrontos potencialmente mortais.
O convivialismo endossa o ideal democrático. Reconhecendo a inevitabilidade das lutas, o produto da diversidade e o exercício do livre arbítrio pelos indivíduos, ele prescreve o controle dos conflitos (inspirado em Marcel Mauss, 1925), e sua resolução pacífica é o princípio da oposição criativa e não-violenta. A aceitação da democracia é de fato um acordo político de autolimitação recíproca (exigido por Ivan Illich, 1973). A degradação da qualidade das práticas democráticas levou o Segundo Manifesto a enfatizar que os cinco princípios precedentes não só são interdependentes e limitados uns aos outros, mas que estão subordinados ao imperativo absoluto do controle da húbris – ou seja, a tentação da desmesura, inerente à modernidade, deve ser renunciada.
Além da melhoria deste quadro de princípios, o Segundo Manifesto especifica um conjunto de direções para se mover a fim de permitir o estabelecimento de um mundo pós-neoliberal, que é o que o convivialismo visa. De fato, se o liberalismo faz florescer a liberdade e a modernização, a esperança trazida pelo convivialismo é a de trazer a convivialidade e a emancipação.
Primeiro, torna explícita a necessidade de alcance e aceitação global a partir de uma grande variedade de culturas. Eles devem ser capazes de adotar o mesmo espírito, ainda que à sua maneira: permitir a todos os seres humanos levar uma boa vida, em uma boa sociedade, sem violência, de acordo com os critérios de suas culturas. Respeitando outras culturas e a habitabilidade futura da Terra, ou seja, estabelecendo e respeitando todas elas, um acordo de autolimitação recíproco. Nisto, o Convivialismo não se quer universal, mas pluriversal.
Em segundo lugar, o Manifesto expressa considerações sobre a arquitetura da sociedade e as regras de operação que nos permitem nos aproximar do ideal democrático. Eles são baseados na participação cooperativa e na subsidiariedade. O que as associações de cidadãos podem fornecer é essencial. Do nível local ao global, uma pluralidade de níveis institucionais na organização das sociedades deve respeitar o procedimento pelo qual somente os problemas que não podem ser resolvidos no nível em que surgem são levados para o nível seguinte, seja sozinho ou em cooperação horizontal com outros grupos do mesmo nível. Cada nível de organização da sociedade se esforça para assegurar a coesão e inclusão de seus membros, bem como a preservação dos bens comuns. Os processos democráticos de tomada de decisão baseiam-se em formas privilegiadas de participação direta nos níveis básicos e combinados com formas de representação e informação sobre opiniões nos níveis mais amplos do local, nacional e global.
Em seguida, o Segundo Manifesto apresenta propostas destinadas a colocar as atividades – especialmente as chamadas atividades econômicas – a serviço do objetivo das sociedades: convivência, emancipação individual e coletiva. As atividades de produção devem responder às necessidades reais da sociedade e não dar origem a necessidades fictícias, que é ao que é levada uma economia real quando é submetida ao capitalismo rentista e especulativo. Isto exige a regulamentação rigorosa das finanças, a abolição dos paraísos fiscais, a limitação do tamanho dos bancos, etc. Sendo o objetivo essencial dar a todos os seres humanos acesso a uma vida digna, o critério de eficiência não será mais o de aumentar o PIB. Devemos entrar numa era pós-crescimento compatível com a manutenção da habitabilidade do planeta e a prática de atenção incondicional a todos aqueles – economicamente e/ou culturalmente discriminados – que devem ser apoiados por uma interdependência que os leve à emancipação. O Segundo Manifesto enfatiza em particular a renovação das relações de gênero.
A desfinanceirização e o re-incrustramento da economia a serviço da sociedade devem ser acompanhados de medidas de reestruturação. Inverter a tendência de mercantilização generalizada, ampliando o domínio do não-mercantil: trocas de serviços entre cidadãos, entre próximos, circuitos curtos de trocas, economia colaborativa, gratuidade de serviços públicos, economia circular, regulamentação da publicidade, remanejamento do tempo, reinvenção do “trabalho”. Deixar apenas o que pode ser deixado para o jogo dos mercados e monitorar seu funcionamento “convivial”. Reverter a tendência de globalização e hiper-concentração, deslocalizando atividades, criando moedas locais complementares, restaurando a soberania alimentar e industrial, favorecendo pequenas estruturas e praticando a gestão negociada de intercâmbios internacionais que são realmente necessários para atender às necessidades.
Finalmente, é necessário recuperar o controle democrático da evolução técnico-científica que agora está sendo duramente atingida pela húbris e pela tentação da onipotência, para torná-la ética e socialmente benéfica. Isto requer o controle das escolhas dos avanços tecnológicos e o desmantelamento das empresas gigantes que as impõem para seu próprio lucro, alienando as populações.
Avançando nestas direções, “teremos que enfrentar enormes e formidáveis poderes, sejam eles financeiros, materiais, técnicos, científicos ou intelectuais, bem como militares ou criminosos”, conclui o Manifesto, enfatizando que existe uma força potencial a ser utilizada. Ela está nos bilhões de pessoas que já compartilham a mesma indignação com a húbris e/ou corrupção daqueles (1% ? 5% ?) que os alienam. Eles também e sobretudo, pelo menos implicitamente, compartilham o projeto de convivência e emancipação. Para se tornar uma verdadeira força, todos aqueles que já estão conscientes disto devem se convencer de que, compartilhando esta consciência, de pessoa para pessoa, seremos bilhões que poderão denunciar juntos aqueles que se opõem ao avanço da convivência. Daí então, o projeto realizado pelo convivialismo se cumprirá.

É professor emérito de economia política da Universidade de Rennes-1, com uma abordagem ética e política (PEKEA), anti-utilitarista (MAUSS), das atividades econômicas. Atua desde o início da construção do movimento convivialista, sendo autor do livro: Vers une civilisation de convivialité (2014)
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