Fios do Tempo. Deselegância: sobre a política dos falsos mestres – por Wellington Freitas

Púlpitos evangélicos, Círio de Nazaré, Nossa Senhora da Aparecida. Continua a avançar o uso da religião pela campanha do candidato e então presidente da República, associando sua figura à religiosidade cristã, evangélica e católica. No texto de hoje, Wellington Freitas, intelectual e evangélico, traz sua reflexão cristã e sociológica sobre a natureza das ações de Bolsonaro.

Desejo, como sempre, uma ótima leitura.

A. M.
Fios do Tempo, 19 de outubro de 2022



Deselegância:
sobre a política dos falsos mestres

O clima de convívio social é deselegante – um cenário desrespeitoso – desde que Jair Bolsonaro conquistou uma notoriedade nacional, ainda pleiteando a presidência. A discussão em praça pública vira sinônimo de agressão verbal ou física, ocorrendo, em alguns casos, até morte. A agenda conservadora, mas liberal – e de teor violento –, ganha a simpatia da população cuja maioria religiosa é de alguma ramificação cristã. O bolsonarismo diverge da amabilidade ressaltada pelo Evangelho. Bolsonaro é um lobo vestido de ovelha, só que rebelde e desprendida da pacificação. Todavia, sua influência despiu os santos, expondo-os à carnalidade deles.

Não foi ludibrio. Todo o fio condutor que liga Bolsonaro até a reeleição, no segundo turno, é um tipo de transferência do interior daqueles eleitores acurados no traço histórico do autoritarismo e pela pauta dos costumes; somando-se isso em uma figura protetora e salvífica. O contorno da ignorância e de desafeto ao diferente é desvelado e personificado. Não existe diálogo e parte-se diariamente para uma conduta distante ao periférico Jesus, onde ao invés de amar destila-se o ódio. Isso significa não ter parte com Deus:

Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.
(1João 4: 20-21)  

Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), usa o meio cristão para agaranhar voto e poder; e não para viver uma fé sincera. A relação pragmática com a religião é para santificá-lo e torná-lo plausível numa sociedade fervorosa a um divino bíblico, porém ela está sempre disponível a criar um “bezerro de ouro” como os antigos israelitas henoteístas – obstinados em criar ícones paralelos a Javé (Êxodo 32: 1-8; 19-24). Agora, os ídolos, fundidos pela fantasia, são personalidades do segmento político e econômico, em especial lideranças “religiosas”. A massa do evangelicalismo e os demais partidários de Bolsonaro fizeram dele um “bezerro”. Tamanha idolatria não os deixa ver o desequilíbrio emocional e os erros grotescos. Há uma disparidade entre a propaganda eleitoral, que constrói imagem de temperança, e a realidade ao vivo: de insulto às vozes dissonantes. A propaganda também utiliza o termo “PTfobia”, declarado pelo reeleito governador de Minas Gerais, Romeu Zema, para justificar apoio a Bolsonaro no segundo turno. De antipetismo à fobia: uma repulsa ou medo doentio que pode gerar ódio e violência.

Jesus, ao ser questionado sobre qual era o maior dos mandamentos, resumiu os 10 em dois: amar a Deus e ao próximo (Mateus 22: 35-39; Marcos 12: 28-31). Entretanto, o egoísmo bolsonarista só reza o “venha nós”, sendo capaz de depreciar a lógica do “bom samaritano” por ser um não ortodoxo. Na parábola do Jesus de Nazaré, o samaritano é aquele que se torna o próximo de quem está caído e, apesar da diferença, levanta-o porque tem misericórdia (Lucas 10: 25-37), enquanto figuras religiosas não estendem a mão e nem lhe dão hospedagem. Quem ama o próximo não é favorável à tortura e nem arma a população. Certa vez, um dos discípulos – no intuito de proteger o Nazareno – decepou a orelha do servo do sumo sacerdote, porém Jesus disse: “Basta!”, E tocando na orelha do homem, ele o curou” (Lucas 22: 49-51). Jesus é contra a agressividade e o derramamento de sangue. Enquanto isso, o pretenso messias Bolsonaro sequer teve misericórdia da população brasileira durante a pandemia da COVID-19, debochou e atrasou a vacina, sem empatia nenhuma pelo próximo. Suas ações não estão em consonância com o amor do Deus do Messias Galileu.

O aceno para o evangeliquês tem consistência, em 2016, quando Jair Bolsonaro é batizado nas águas do Rio Jordão em Israel; todavia, há uma contradição, já que ele sempre se declarou católico e nunca mudou de posição. Bolsonaro não virou evangélico, mas na foto do batismo – realizado pelo político e pastor Everaldo Pereira – soou, na época, como se adotasse a identidade evangelical. Esse político vestiu a capa desse grupo social em quase toda gestão; entretanto, com o segundo turno da eleição presidencial de 2022, percebendo que Lula (PT) tem maioria entre os católicos, infiltra-se e tenta apropriar-se de festividade como o Círio de Nazaré, em Belém (PA), fazendo desse evento religioso um palanque eleitoral, assim como foi o dia da Independência. Visitou até a Basílica Nacional de Aparecida, no dia da padroeira, causando alvoroço entre aplausos e vaias – desrespeitando, com toda a deselegância profanadora, o ambiente religioso ao transformá-lo em campanha para voto. A prática utilitarista rendeu mais crítica do que positividade para o presidente Bolsonaro. 

Que fique nítido que o batismo no Jordão foi de caráter publicitário para vender o produto “Jair Bolsonaro”. Essa jogada política articulada com líderes evangélicos serviu para abençoar alguém cuja personalidade e anseio social estavam, até o momento, desvencilhados da pregação desse setor religioso no Brasil. Aos poucos a estratégia de marketing foi despertando desejos da “carne” e não das questões “santoespirituais”. No jargão dos crentes, “carne” é sinônimo de estado humano: aquilo que é limitado ou suscetível a pecar – sendo um termo de teor pejorativo. E a propaganda das atitudes de Bolsonaro pouco a pouco desvelou o que antes era velado em muitos cristãos: o autoritarismo, a centralização e, às vezes, um discurso desumano com aqueles que não são seus pares. O que caminha, secularmente, de acordo com a nossa formação histórica brasileira. Nada de novo sob o sol tropical.

Efésios (4:5) diz que “há um só Senhor, uma só fé, um só batismo”. Se Bolsonaro declara ser do meio cristão (da ramificação católica), porque buscar outro batismo pelas mãos de um pastor assembleiano? Não é um só batismo? Isso confirma o cenário batismal eleitoreiro e dá um passaporte para ele assumir o palanque e os púlpitos evangélicos. Ao invés de pregação, ouve-se declarações nazifascistas – onde cada atitude do batizado é venerada ou vista como consagrada. Batismo, a grosso modo, envolve arrependimento, regeneração; e, pelo contrário, Bolsonaro nunca mudou. Tampouco regenerou. É um falseamento estar no meio do povo religioso afirmando-se cristão enquanto que a comunicação ensina o contrário do Operário de Nazaré. Apesar da aproximação com o rebanho da fé, sua fala e suas posturas pessoais e governamentais negam a Cristo. Ele apropria-se de púlpitos evangélicos para difundir heresia onde o nacionalismo (também falso) está acima do Sagrado, porque é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. E tudo é maior do que todos, logo, além de colocar o Divino em segundo lugar, seu slogan profana ambientes religiosos.

Jair Messias Bolsonaro está muito mais, portanto, para um anticristo, pois seu desafeto ao próximo, seu desserviço e sua beligerância retratam o caráter diabólico contrário ao Cristo do Evangelho. E as lideranças religiosas que comungam com Bolsonaro – emprestando o palanque da igreja – também são anticristos configurados como falsos mestres que ludibriam a população com doutrinas que negam o Reino pacificador, amoroso, da temperança e da paz. Por isso, para nos libertar destes falsos profetas, lembremos as palavras de Pedro, e redobremos nossas forças para minar esta mentira destronando aquele que a dissemina de dentro do Palácio do Planalto:

No passado surgiram falsos profetas no meio do povo, como também surgirão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. Muitos seguirão os caminhos vergonhosos desses homens e, por causa deles, será difamado o caminho da verdade. Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda.
(2 Pedro 2:1-3)

Wellington Freitas é especialista em Ciências da Religião (Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro – FSBRJ). Graduação em Comunicação Social pela PUC-RIO. Licenciatura em Filosofia pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL). Bacharel em Teologia pela Faculdade Evangélica de Tecnologia, Ciências e Biotecnologia da CGADB (FAECAD). Livre-pesquisador do Ateliê de Humanidades. Docente em Sociologia da Religião e Teologia Contemporânea em Seminários Teológicos. Membro do grupo de pesquisas CRELIG (Dinâmicas territoriais, cultura e religião). Atualmente cursando Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Iguaçu (UNIG).


Catálogo do Ateliê de Humanidades Editorial


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