Fios do Tempo. Cheios de desrazão fideísta: um domingo bem sintomático – por Wellington Freitas

No segundo artigo de hoje, Wellington Freitas reflete sobre o caráter sintomático do domingo, 08 de janeiro. A partir de uma reflexão sobre a relação entre trauma, memória e narrativa, ele analisa como os atos antidemocráticos expressam, ao mesmo tempo, o retorno traumático dos males históricos da nação e a montagem antecipadora de uma cena traumática por parte do líder.

Se o artigo de Nelson propõe ir além da análise, o de Wellington vai direto à análise.

Desejo, como sempre, uma excelente leitura!

A. M.
Fios do Tempo, 10 de janeiro de 2023


Catálogo do Ateliê de Humanidades Editorial



Cheios de desrazão fideísta:
um domingo bem sintomático

De acordo com o ditado popular “De médico e louco, todo mundo tem um pouco” – e esse provérbio encaixa-se bem ao cenário antidemocrático após vitória de Lula, por parte da extrema-direita golpista alimentada pelo bolsonarismo. Os golpistas acham-se que são pessoas sãs capazes de politicamente fazer diagnóstico jurídico e político e, com medidas truculentas, prognosticar medidas socioeconômica, educacional e cultural cabíveis a uma realidade fantasiada por eles. O fenômeno verde e amarelo aludindo paixão à pátria é um dos sintomas doentios do nosso tempo: resultando na invasão e depredação dos prédios públicos do Judiciário, Legislativo e Executivo, em Brasília, neste domingo, 08 de janeiro.

Mas os traumatizados com a eleição presidencial – que acamparam em frente a quartéis das forças armadas pedindo intervenção militar como dose para curar o país duma política de esquerda – veem-se como agente transmissor da anticorrupção e da anti-imoralidade. Eles não percebem sua enfermidade pela busca do retrocesso porque possivelmente, na realidade psíquica deles, cada um ao seu modo, porém unidos no propósito, investiu tanto afeto sobre a construção fictícia duma retomada ditatorial com a intromissão do Estado nos costumes que passou ter a fantasia como factual.

As memórias em si, e não os eventos, que são ou dão origem aos sintomas maléficos para o corpo social. A facada levada por Jair Bolsonaro na campanha de 2018 é um fato que não gera manifestação patológica, entretanto a evocação da memória desse acontecimento é sempre uma reconstrução (da memória) permeada por fantasia de quem a reconstrói. No caso do bolsonarismo, as fantasias que atravessam a memória do trauma da facada o auxiliaram a tornar-se presidente pois fizeram dele um ícone. Ou seja, são as memórias que os sujeitos registram – na sua história – que vão futuramente dar base aos sintomas. A imagem de Bolsonaro sempre registrou traço sintomático de invocação da austeridade. E os sintomas da extrema-direita brasileira são o racismo, o patriarcado, a misoginia, a homofobia, o fundamentalismo no religioso e na pauta do costume, o machismo, a xenofobia, o etarismo, o classismo.

A direita bolsonarista enveredou-se – óbvio cada indivíduo ao seu jeito – num registro histórico fantasioso que culminou numa imaginação de autoritarismo; de tradição marcada na discriminação e na intolerância. A lembrança consciente (aquilo que está vívido na mente) sempre está entre o acontecimento de fato e o fantasioso. A perda da Ditadura para a democracia foi um trauma para elite branca e para o conservadorismo; os governos petistas produzindo prosperidade para os pobres também constituem uma cena traumática, que é reforçado com o retorno do Lula pela terceira vez. Daí a memória desses acontecimentos culminou em sintomas como acampamentos antidemocráticos e no Domingo 8 de janeiro.

Todavia o Domingo de depredação aos palácios governamentais é um enlatado da gestão Donald Trump, que chamou a vitória Joe Biden de fraudulenta, e a invasão do Capitólio (sede do poder legislativo dos EUA) em 6 de janeiro de 2021. O trauma da derrota de Jair Bolsonaro nesta eleição de 2022 trouxe à lembrança a fala do próprio líder para os eleitores antidemocráticos: se caso não substituísse as urnas eletrônicas, que são fraudulentas, o mesmo aconteceria no Brasil. Então Bolsonaro já tinha convocado essa manifestação antidemocrática, do Domingo passado, desde 7 de janeiro de 2021, pois antecipou um cenário ao bolsonarismo, constituindo por uma narrativa antecipadora a possibilidade de um trauma. Cheios de desrazão fideísta, os extremistas não se dão conta de que seus sofrimentos estão em contradição com suas pretensões, já que se acham tão saudáveis e dispostos para sanarem os males da nação.

Wellington Freitas é especialista em Ciências da Religião (Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro – FSBRJ). Graduação em Comunicação Social pela PUC-RIO. Licenciatura em Filosofia pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL). Bacharel em Teologia pela Faculdade Evangélica de Tecnologia, Ciências e Biotecnologia da CGADB (FAECAD). Livre-pesquisador do Ateliê de Humanidades. Docente em Sociologia da Religião e Teologia Contemporânea em Seminários Teológicos. Membro do grupo de pesquisas CRELIG (Dinâmicas territoriais, cultura e religião). Atualmente cursando Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Iguaçu (UNIG).


Catálogo do Ateliê de Humanidades Editorial


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