Fios do Tempo. Antes do céu cair – por Jaider Esbell

Ontem, dia 02 de novembro, fomos surpreendidos com a notícia de que o artista indígena contemporâneo Jaider Esbell não está mais entre nós. Sendo do povo Macuxi, originários do monte Roraima (região da Raposa Serra do Sol), Jaider reunia em si os talentos da arte, do pensamento e da escrita (mais informações sobre sua biografia podem ser encontradas aqui)

Conhecemos Jaider no contexto do Ciclo de Humanidades deste ano sobre o tema “O que pode a arte? Como a arte se relaciona com a vida“. Por causa da falta de luz em Roraima, ele não pôde participar da mesa-redonda no dia, então fizemos uma entrevista com ele como uma forma de compensar o imprevisto.

Como uma forma de singela homenagem, com o intuito de ressoar sua obra, fazemos duas publicações em nosso site. Para expressão de sua faceta de escritor, trazemos agora, no Fios do Tempo, dois pequenos textos,

Em seguida, traremos nossa entrevista inédita, feita na manhã do dia 15 de junho de 2021, com o objetivo de tratar do conjunto da obra deste artista multimídia e ativista que era Jaider Esbell. A entrevista virá ao ar agora, infelizmente, deixando de ser um registro sobre um jovem artista em uma fase de seu trabalho para se tornar uma homenagem imprevista a alguém que está agora indo ao encontro com seus ancestrais.

Salve, Jaider. Nossa gratidão e boa viagem.

A. M.

Fios do Tempo, 03 de novembro de 2021

Arte da imagem:“Pata Ewa’n – O coração do mundo”, 2016, acrílica sobre tela, 230 x 250 cm

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Catálogo do Ateliê de Humanidades Editorial




Antes do céu cair

Jaider Esbell

Publicado originalmente no jornal Roraima Agora,
em 16 de maio de 2016

Parentes, eu vou sair. Vou sair nu e eles vão perguntar por vocês, vão querer saber sobre vocês. Vou dizer: perguntem a eles, eles estão lá no norte da Amazônia, esparramados no pé do monte Roraima. Eles estão todos lá, são sobreviventes. Se, felizes ou tristes, perguntem a eles. Se satisfeitos ou decepcionados, perguntem.

Olha eles aqui ó, na arte, vê na geografia? Podem estar sadios e mortos. Vamos, acessem a internet, escrevam no Google – GARIMPO MATA A AMAZÔNIA. Eu poderia te enrolar, desconversar, te contar mitos, fazer desenhos coloridos. Poderia falar de qualquer coisa, mas eu não vejo TV, não discuto politicagem, nem gosto de futebol. Eu só insinuarei: Talvez eles sejam como vocês. Tipo assim ó: Os açougueiros não se entendem porque têm facas. Os ignorantes têm insultos. Os amores têm seus ciúmes. Os deuses querem melhor aos seus e por aí em diante.

Talvez falte diálogo, entendimento, trabalho, compreensão, compromisso. Mas o que aparece mesmo é a felicidade: essa se sobressai. O povo tem uma tendência à felicidade. É a desgraça que torna aquilo mais vida? Essas coisas boas de ver, de fazer, sentir. O índio tem flechas, mas não floresta. Conhecimento. Vamos encher o nosso livro de prazer e dor e dar para a ciência. Vamos estar nas estantes virtuais, encaixotados como mercadoria sem venda. Vamos ser bibliografia, papel pros brancos e nossos filhos cheirarem.

Tudo parecia bem mas, os bens de uns são as ruínas dos outros. Os minutos passam e é a própria eternidade. Ninguém vê ou sente a agonia banalizada. Nessa primeira abordagem já está claro? Claro, não vou contar o segredo de ninguém. Minha mãe nunca me disse: não fale com estranhos. Ela sabia. Todos somos estranhos. Então seria melhor não dizer nada, pois sabia. Logo eu saberia.

Hoje, estou aqui e vou te dizer: gosto mesmo dos estranhos. Eles são nossos reflexos e você sabe, reflexos encantam, e haja vida para buscá-los. Direi eles estão lá, e eles virão pra ver se eu sou eu mesmo ou só um mentiroso a mais no parlamento. O despertador tocou. Trocamos nossa cultura, não levantamos mais na lua.

– Senhor Jaider Esbell – O seu embarque é o próximo!

– Eu: muito obrigado! Vamos parentes!

A hora da onça beber água

Jaider Esbell

Publicado originalmente no blog do autor,
em 5 de fevereiro de 2018

Bom dia! Chega a hora da nossa onça beber água. A onça, o maior em nossa natureza. A hora da nossa onça beber água é algo que talvez só aconteça uma vez na vida. Em resumo, é o momento crucial para a nossa evolução ou fim em fracasso. É o momento da onça reconhecer que sábio mesmo é o jabuti. A hora da onça beber água é quando ela tem que olhar para si mesma, no espelho d’água e ela estará exausta, fraca e vulnerável. A hora da onça beber água é um momento de extrema renúncia e profundo altruísmo. Resiliência, e altas habilidades são de fato requeridas nessa hora. Quando se passa pelo momento da onça beber água, e ela passa, é o amor na guerra, a trégua e a garantia de plena natureza eternamente viva.

Ciclo de Humanidades. Entrevista com Jaider Esbell – Arte indígena contemporânea: modos de fazer, potências do ser

Desde o dia 02 de novembro, Jaider Esbell, artista indígena contemporâneo, muldimídia e ativista, não está mais entre nós. Sendo originário do povo Macuxi, da região do monte Roraima, atual reserva Raposa Serra do Sol, Jaider atuava com artes plásticas, escrita, performances, instalações, música e arte-educação, e era um dos principais artistas da Bienal de…


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por Anders Noren

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