A rápida disseminação de ferramentas de IA capazes de criar imagens, vídeos e textos a partir de material presente na internet vem impondo novos desafios aos criadores humanos. Basta inserir palavras-chave num site ou aplicativo para acionar um algoritmo que utiliza de seu banco de dados, na maioria das vezes obtido sem a permissão de pequenos escritores, artistas ou figuras públicas para gerar algo novo, e artificial. Essa prática já gerou constrangimentos com imagens e vídeos realistas de pessoas famosas em situações em que elas não estiveram.
Buscando proteger os criadores humanos, diversas associações de músicos, artistas plásticos, atletas, atores, entre outras categorias, se aliaram à campanha “Human Artistry” (ver a lista dos signatários em nosso post). Suas propostas, cuja tradução publicamos aqui, visam preservar a arte humana, evidenciando a atividade criativa de humanos que está por trás dos resultados dados por IAs. A campanha não se opõe ao avanço tecnológico, essencial para a arte, mas sim ao seu uso desregulado e antiético que prejudica pequenos produtores e figuras públicas.
Essa campanha se relaciona diretamente com o que venho refletindo nos últimos anos acerca da arte algorítmica. No contexto da arte contemporânea, onde já não há um paradigma que defina o que é uma obra de arte, e muito menos um artista, qual seria o problema de disponibilizar ferramentas que permitam com que todos sejam capazes de criar obras? O problema se apresenta no âmbito prático, material. Se os algoritmos usam um banco de dados obtidos de forma irregular, sem licenciamento, autorização dos criadores, ferindo a propriedade intelectual ou direitos de imagem, o sistema de comercialização e circulação de obras é colocado em questão. E quem se prejudica pela falta de regulamentação é sempre o criador menor, que tem seu trabalho explorado e plagiado.
Liz Ribeiro
Fios do Tempo, 26 de maio de 2023
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Campanha “Human Artistry”:
proteger a arte humana em face à inteligência artificial*
As obras criativas moldam nossa identidade, valores e visão de mundo. E há elementos fundamentais de nossa cultura que são exclusivamente humanos. Somente os seres humanos são capazes de comunicar as infinitas complexidades, nuances e complicações da condição humana por meio da arte – seja música, performance, escrita ou qualquer outra forma de criatividade.
Os desenvolvimentos em inteligência artificial são empolgantes e podem levar o mundo mais longe do que jamais imaginamos ser possível. Mas a IA nunca poderá substituir a expressão e a capacidade artística do ser humano.
À medida que novas tecnologias surgem e entram em aspectos tão centrais de nossa existência, isso deve ser feito de forma responsável e com respeito aos artistas, intérpretes e criativos insubstituíveis que moldaram nossa história e que traçarão os próximos capítulos da experiência humana.
Esses princípios descrevem como podemos usar a inteligência artificial de forma responsável – para apoiar a criatividade e a realização humanas, com respeito ao valor inimitável da capacidade artística e da expressão humanas.
Princípios básicos para aplicações de inteligência artificial. Em apoio à criatividade e à realização humana.
1. A tecnologia há muito tempo potencializa a expressão humana, e com a IA não será diferente.
Por gerações, várias tecnologias têm sido usadas com sucesso para apoiar a criatividade humana. Veja a música, por exemplo… Dos rolos de piano à amplificação, aos pedais de guitarra, aos sintetizadores, às baterias eletrônicas, às estações de trabalho de áudio digital, às bibliotecas de batidas, aos stems e muito mais, os criadores musicais há muito tempo usam a tecnologia para expressar suas visões por meio de diferentes vozes, instrumentos e dispositivos. A IA já está desempenhando e desempenhará cada vez mais esse papel como uma ferramenta para auxiliar o processo de criação, permitindo que uma gama maior de pessoas se expresse de forma criativa.
Além disso, a IA tem muitos usos valiosos fora do processo criativo em si, incluindo aqueles que amplificam as conexões com os fãs, aprimoram as recomendações personalizadas, identificam o conteúdo de forma rápida e precisa, auxiliam na programação, automatizam e aprimoram sistemas de pagamento eficientes – e muito mais. Nós abraçamos esses avanços tecnológicos.
2. As obras criadas pelo homem continuarão a desempenhar um papel essencial em nossas vidas.
As obras criativas moldam nossa identidade, valores e visão de mundo. As pessoas se relacionam mais profundamente com obras que incorporam a experiência vivida, as percepções e as atitudes de outras pessoas. Somente os seres humanos podem criar e conceber plenamente obras escritas, gravadas, criadas ou executadas com esse significado específico. A arte não pode existir independentemente da cultura humana.
3. O uso de obras protegidas por direitos autorais e o uso de vozes e feições de artistas profissionais requerem autorização, licenciamento e conformidade com todas as leis relevantes.
Reconhecemos plenamente o imenso potencial da IA para ampliar os limites do conhecimento e do progresso científico. No entanto, assim como nas tecnologias anteriores, o uso de obras protegidas por direitos autorais requer permissão do proprietário dos direitos autorais. A IA deve estar sujeita ao licenciamento de livre mercado para o uso de obras no desenvolvimento e treinamento de modelos de IA. Os criadores e proprietários de direitos autorais devem manter o controle exclusivo sobre a determinação de como seu conteúdo será usado. Os desenvolvedores de IA devem garantir que qualquer conteúdo usado para fins de treinamento seja aprovado e licenciado pelo proprietário dos direitos autorais, inclusive o conteúdo usado anteriormente por quaisquer IAs pré-treinadas que possam adotar. Além disso, as vozes e feições [likeness] de artistas e atletas só devem ser usadas com o consentimento deles e com uma compensação justa de mercado para usos específicos.
4. Os governos não devem criar novos direitos autorais ou outras isenções de PI (Propriedade Intelectual) que permitam que os desenvolvedores de IA explorem os criadores sem permissão ou compensação.
A IA não deve receber isenções da lei de direitos autorais ou de outras leis de propriedade intelectual e deve estar em conformidade com os princípios fundamentais da concorrência justa no mercado e da compensação. A criação de atalhos especiais ou brechas legais para a IA prejudicaria os meios de subsistência criativos, danificaria as marcas dos criadores e limitaria os incentivos para criar e investir em novos trabalhos.
5. Os direitos autorais devem proteger apenas o valor exclusivo da criatividade intelectual humana.
A proteção dos direitos autorais existe para ajudar a incentivar e recompensar a criatividade, a habilidade, o trabalho e o julgamento humanos, e não a produção criada e gerada exclusivamente por máquinas. Os criadores humanos, quer usem ferramentas tradicionais ou expressem sua criatividade usando computadores, são a base dos setores criativos e devemos garantir que os criadores humanos sejam pagos por seu trabalho.
6. A confiabilidade e a transparência são essenciais para o sucesso da IA e para a proteção dos criadores.
É essencial manter registros completos de obras, performances e feições protegidas por direitos autorais, incluindo a forma como foram usadas para desenvolver e treinar qualquer sistema de IA. A transparência algorítmica e a identificação clara da procedência de um trabalho são fundamentais para a confiabilidade da IA. As partes interessadas devem trabalhar de forma colaborativa para desenvolver padrões para tecnologias que identifiquem a entrada usada para criar resultados gerados por IA. Além de obter as licenças apropriadas, o conteúdo gerado exclusivamente por IA deve ser rotulado, descrevendo todas as entradas e a metodologia usada para criá-lo, informando as escolhas do consumidor e protegendo os criadores e os detentores de direitos.
7. Os interesses dos criadores devem ser representados na formulação de políticas.
Os formuladores de políticas devem considerar os interesses dos criadores humanos ao elaborar políticas relacionadas à IA. Os criadores estão na vanguarda e estão construindo e inspirando as evoluções tecnológicas e, como tal, precisam de um lugar à mesa em todas as conversas sobre legislação, regulamentação ou prioridades do governo em relação à IA que afetariam sua criatividade e a maneira como ela afeta seu setor e seu sustento.
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Tradução: Liz Ribeiro
* Este texto é uma tradução do manifesto da “Human Artistry Campaign“, lançada em março de 2023. Disponível no site: https://www.humanartistrycampaign.com.
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