Sociólogo francês nascido em 1960, Serge Paugam possui atuação proeminente nos estudos sobre a exclusão e as desigualdades sociais, sobre as novas profissões e a precarização do trabalho, além da natureza e a transformação dos laços sociais nas sociedades contemporâneas.
Atualmente, Paugam é diretor de pesquisa do CNRS (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas) e diretor de estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), sendo também responsável pela Équipe de recherche sur les inégalités sociales (ERIS) do Centre Maurice-Halbwachs (EHESS). Suas áreas de pesquisa se situam num frutífero entrecruzamento que reconecta campos de estudo que estão normalmente desvinculados entre si em razão de uma especialização que, mal refletida, fragmenta fenômenos (pobreza e desigualdade, mundo do trabalho, crise dos laços de solidariedade) que são integrados em nossas sociedades.
Na sequência da publicação de nossa entrevista com o autor “De quantos laços a vida social é feita?: repensar a solidariedade”, este Pontos de Leitura do Ateliê de Humanidades apresenta a obra de Serge Paugam de forma didática e imagética. Temos o intuito de proporcionar com isso um itinerário pelo conjunto da sua obra, dando informações que aproximem o leitor e estimulem os estudos e leituras.
A fim de organizar melhor a apresentação, dividimos a obra de Paugam em quatro áreas temáticas: (1) a desqualificação social, a exclusão e a pobreza; (2) as novas formas de integração profissional e a precarização do trabalho; (3) a retomada da solidariedade, com o desenvolvimento de uma teoria dos laços e vínculos sociais; (4) e, por fim, a formação metodológica das ciências sociais e o ofício da sociologia.
1. Desqualificação, exclusão social e novas formas de pobreza
A influente publicação em 1991 de La disqualification sociale: essai sur la nouvelle pauvreté [A desqualificação social: ensaio sobre a nova pobreza] (Paris: PUF) pode ser considerada um marco do interesse de Serge Paugam nos estudos relativos à exclusão social e ao fenômeno da pobreza. Oriunda da tese de doutorado do autor, ela foi traduzida para o português em 2003 (EDUC & Cortez Editora) e, em 2009 , teve sua quarta edição francesa com um novo prefácio.


Nesse primeiro momento de seu percurso, podemos destacar a crítica de Serge Paugam às abordagens cada vez mais comuns (hoje em dia feitas sob a forma de big data e coordenados por think tanks) que reduzem o fenômeno da “pobreza” à sua dimensão quantificável, compreendendo-a muitas vezes de modo unidimensional, considerando apenas os rendimentos familiares e individuais. Contrário a esta abordagem objetivante, Paugam propõe um olhar sociológico mais atento à pluralidade de formas de pobreza e de exclusão social. Para tanto, ele analisa suas relações com os distintos vínculos institucionais e representações sociais, mostrando, além disso, como elas são histórica e concretamente vivenciadas pelos agentes sociais.
Esse olhar sociológico lhe permitiu reconsiderar a condição de pobreza tanto por seus aspectos objetivos como pelos subjetivos. Desta forma ele refina a análise sociológica desses fenômenos, diferenciando-os internamente conforme seu maior ou menor quadro de vulnerabilidade, ou, nos termos do autor, conforme a etapa no processo de “desqualificação social” em que se encontram os agentes. Seguindo a tipologia proposta, os agentes “fragilizados” passam por experiências de desqualificação (muitas vezes pela primeira vez) tais como: desemprego; degradação das condições de vida; insegurança e instabilidade laborais; declínio social (inclusive em relação a seus próprios pais); e contatos mais ou menos temporários com dispositivos de assistência social (vividos não sem um sentimento de humilhação), os quais eles evitam a todo custo requisitar e, quando o fazem, tentam lutar para não “decair” em uma situação de dependência mais duradoura.
É justamente nessa última situação que se encontram os indivíduos “assistidos”, quer dizer, aqueles que passam a depender mais completa e duradouramente das instituições e dos recursos de assistência social. Embora seja vivenciada como uma forma de dependência que não deixa de ter efeitos negativos sobre a identidade individual, esse modo de integração social pela assistência aos fragilizados permite uma maior possibilidade de conservação dos laços sociais, comunitários, amistosos e familiares. Isso é um ponto fundamental, porque é justamente uma “ruptura com os laços sociais” o que caracteriza o passo mais fundo na situação de “desqualificação”: a exclusão social.
Neste último caso, o de exclusão, os agentes “marginalizados” são marcados não apenas pela permanente estigmatização, como também pela cumulatividade de seus reveses que se reforçam mutuamente, tais como: o desemprego e a miséria; o despejo da moradia; a fragilização dos vínculos conjugais, familiares, amistosos e comunitários; os problemas de saúde, em muitos casos vinculados ao alcoolismo, à drogadição, à depressão e, no limite, a perda do sentido da vida.
Como diz o subtítulo do livro, trata-se de uma “nova pobreza”, que para Paugam decorre da confluência de três tendências nas sociedades ocidentais contemporâneas: (a) a precarização do mercado laboral; (b) a perenização do desemprego a longo prazo; e (c) a fragilização dos laços sociais em geral, o que abrange não somente o enfraquecimento das solidariedades de classe, como também as de vizinhança e mesmo as conjugais. Estas questões serão aprofundadas por ele nas demais frentes de investigação descritas abaixo.
Depois de ser inaugurado em La disqualification social (1991), o tema da desqualificação, da exclusão e da pobreza perpassa os trabalhos do autor ao longo de toda a década de 1990 e se aprofunda e amplia nos anos 2000. Nos anos 1990, Paugam realizou estudos sobre as experiências de “renda mínima de inserção” (RMI) na sociedade francesa e no contexto europeu, dos quais resultaram, entre outras, as publicações de La société française et ses pauvres : l’expérience du revenu minimum d’insertion (Paris, PUF, 1995); e L’Europe face à la pauvreté : les expériences nationales de revenu minimum garanti (direção, Paris: PUF, 1999).


No primeiro livro, ele apresenta as mudanças da pobreza na França desde os anos de prosperidade do pós-guerra até a realidade contemporânea, que demanda novas abordagens do problema, em torno do qual surge a proposta da lei de “renda mínima de inserção” (RMI). A proposta é analisada tendo em vista a dialética interna da assistência, que requer, ao mesmo tempo, o provimento de uma assistência necessária e a ambição de superar a situação de fragilidade social. Neste sentido, Paugam mostra que a RMI está vinculada ao problema da inserção e da participação na vida econômica e social por parte de pessoas que foram distanciadas do mercado de trabalho, buscando limitar os efeitos ditos “negativos” da assistência, que deve ser entendida como uma “política de regulação do laço social”.
No segundo livro, Paugam traz uma análise comparada entre as distintas experiências nacionais de renda mínima e de ações de inserção. Comparando os casos da França, Reino Unido, Alemanha, Holanda, Bélgica, Países Escandinavos, Espanha e Itália, ele chegou em uma tipologia de três modos de regulação da pobreza: (a) a regulação autocentrada, que é fundada na intervenção estatal em nome da solidariedade nacional; (b) a regulação negociada, que é organizada de modo descentralizado segundo o princípio da subsidiaridade; e (c) a regulação localizada, que é definida antes de tudo em função de interesses locais. Com esta análise, ele contribui, na mesma medida, para uma análise comparada dos modelos de Estado de Bem Estar na esteira de trabalhos como o de Gosta Esping-Andersen. Como mostra sua investigação, os Estados lidam com a questão social em função de distintos processos sócio-históricos e expectativas coletivas, muito embora também sejam impactados pela conjuntura econômica e os efeitos de degradação do mercado de trabalho com a mundialização.
É muito importante perceber, portanto, que esta caracterização sociológica do processo de desqualificação social nos permite compreendê-lo não apenas como uma condição substantivamente definida (tomada em si e por si mesma), mas também a partir de sua vinculação sistêmica e institucional com a sociedade. Isso quer dizer que a desqualificação, ocorrida tanto na pobreza quanto na exclusão, é analisada como um fato social que está ancorado institucionalmente em novas regulações que geram (e mesmo oficializam) uma condição de precariedade.
É assim que, a partir de 2000, Paugam aprofundará sua agenda de investigação sobre a pobreza e a exclusão, cada vez mais articulada com as transformações nos modos de integração (e desintegação) social. Em 2005, publica uma obra de síntese, Les formes élémentaires de la pauvreté (Paris: PUF, 2005) e, em 2009, trará a público La régulation des pauvres [A regulação dos pobres] (co-escrito com cNicolas Duvoux – Paris: PUF).
Em Les formes élémentaires de la pauvrété, Paugam faz uma reconstrução da trajetória da “sociologia da pobreza”, mostrando como ela tem seu marco inaugural nas obras de Alexis de Tocqueville, Karl Marx e Georg Simmel, para em seguida mostrar como se constituem as “relações sociais com a pobreza”, tanto do ponto de vista das representações sociais e experiências vividas de pobreza, como também da forma como ela é explicada. Depois de apresentar os fundamentos do estudo da pobreza, ele faz uma exposição dos resultados de sua pesquisa comparativa a respeito das suas variações sociais e históricas (feitas em equipe e na grande maioria financiadas pela Comissão Europeia). É assim que ele apresenta uma tipologia das formas elementares de pobreza, que distingue entre “pobreza integrada”, pobreza marginal” e “pobreza desqualificante”


Por sua vez, La régulation des pauvres é um livro de reflexão crítica sobre o percurso das investigações sobre pobreza, reflexão que é feita em um diálogo entre dois sociólogos de duas gerações diferentes, Serge Paugam e Nicolas Duvoux. Pensa-se aqui sobre a significação do livro La disqualification sociale décadas após sua publicação, depois de ter havido, de um lado, um processo de acumulação de saberes sobre a pobreza e, de outro, uma grande transformação das políticas sociais. Atrelado a estas questões, os autores refletem sobre o próprio sentido do ofício do sociólogo, uma vez que a perspectiva sociológica traz, em si, a questão da “regulação social da pobreza”, que deve ser compreendida sem reificar esta categoria sociológica, pois, como ensina Simmel, “a pobreza nasce de uma relação social que o sociólogo estuda enquanto tal” (p. 10).
É importante sinalizar que aqui já vemos uma associação do tema da pobreza com duas dimensões ainda não exploradas: (a) a da construção do laço social em diálogo com a problemática sociológica e antropológica do reconhecimento; e (b) a do papel dos territórios e do espaço urbano para a formação de relações de solidariedade, de onde emerge a centralidade das políticas da cidade e, assim, a necessidade da reformulação da ação pública no trato da questão social.
Entre outros trabalhos relacionados ao tema, vale citar a organização, em 1996, de um balanço sob direção de Paugam dos estudos sobre a exclusão social – L’exclusion : l’état des savoirs [A exclusão social: o estado dos saberes] (Paris: La Découverte) – e, em 1999, a publicação de um livro no Brasil, como fruto de um debate na PUC-SP, Por uma sociologia da exclusão social: o debate com Serge Paugam (São Paulo: Educ, 1999), com edição de Maura Pardini Bicudo Véras e participação de Aldaíza Sposati e Lúcio Kowarick.


2. Novas formas de integração profissional e a precarização do trabalho
Ao longo das investigações sobre os temas acima, ganha consistência um problema novo, decorrente das transformações do mundo do trabalho, a saber, o da precarização ocorrida nas novas formas de integração profissional. Como mencionamos ao início, a “nova pobreza” pesquisada por Paugam e sua equipe decorre da confluência de três tendências das sociedades ocidentais contemporâneas: a precarização do mercado laboral; a perenização do desemprego a longo prazo; e a fragilização dos laços sociais em geral (não somente os socioeconômicos).
Nesse sentido, o mais importante da caracterização sociológica do processo de desqualificação social é que ela nos permite compreendê-lo a partir de sua vinculação sistêmica com instituições que produzem novas regulações que, com efeito, oficializam uma condição de precariedade profissional e social, muito distinta do padrão de trabalho assalariado que caracterizava o modelo de sociedade industrial do século XX.

A publicação de Le salarié de la précarité: les nouvelles formes de l’intégration professionelle em 2000 é, assim, um novo marco na obra do autor (Paris: PUF, primeira edição de 2000 pela coleção “Le lien social”, dirigida por Paugam). Trata-se do desenvolvimento da análise da pobreza para uma perspectiva mais sistêmica, na qual ele articula as noções de “pobreza” e de “trabalho” numa conjugação que é um sintoma da deterioração das condições de integração social, não apenas nas franjas da sociedade, mas também no cerne do próprio mercado de trabalho. Nas palavras do autor,
o ano 2000 corresponde […] a um ponto de ruptura nas representações do mercado de trabalho e da pobreza. Enquanto que, nos anos 1980 e 1990, a atenção dos poderes públicos se focaliza no desemprego, em particular o desemprego de longa duração, como sendo o maior indicador da exclusão, os primeiros anos da década de 2000 são marcados por uma constatação a um só tempo simples e inquietante: o acesso ao emprego não fornece mais uma proteção sistemática à pobreza material, tampouco à insegurança psicológica.
(Op. cit., p. XIII-IV, tradução nossa).
Esse processo representa o que Paugam compreende, nos termos de Robert Castel, autor do clássico livro As metamorfoses da questão social (1995), como uma “crise da sociedade salarial”, o que leva à desestabilização não somente material como psicológica de uma camada cada vez mais ampla de trabalhadores no Ocidente. Isso acarreta a difusão sistêmica do que Paugam classifica como uma “precariedade profissional”.
Essa noção compreende dois aspectos que são articulados entre si, ainda que diferenciados. De um lado, a precariedade profissional tem uma relação com o emprego (emploi) marcada pelo intensivo e extensivo processo de flexibilização das últimas décadas, que envolve as dimensões do desemprego, da ampliação de sua atipicidade e da deterioração salarial a ela associada, além da corrosão da proteção jurídica e do amparo assistencial que lhes correspondiam – todos aspectos bastante conhecidos dos sociólogos do trabalho. De outro lado, ela tem uma relação com o trabalho (travail) que envolve o transbordamento da mencionada posição objetiva (num sistema de estratificação jurídica e estatutariamente regulado) para o âmbito da vida do trabalhador em sua integralidade, engendrando uma insegurança psicológica, uma deterioração da saúde e do bem estar no ambiente de trabalho – onde a pressão por resultados é intensificada pela concorrência entre os próprios trabalhadores – e um agonismo individualizado e individualizante entre as pessoas. Os efeitos deste duplo processo, no emprego e no trabalho, amplificam-se mutuamente.
É assim que Serge Paugam estabelece um modelo de “integração profissional” a partir do qual teríamos, como limite analítico, uma “integração plena” (intégration assurée) na qual as duas dimensões recém-mencionadas – a do reconhecimento inter-subjetivo fornecido pelo trabalho e a da proteção garantida pelos dispositivos de regulação institucional que sustentam os vínculos do emprego (e que possibilitam um planejamento do futuro e uma segurança em face às contingências do presente) – se fariam, uma e outra, presentes de modo satisfatório para os trabalhadores. Em relação a esse caso limite da integração profissional, podemos inferir os outros casos como “desvios” analíticos, criando uma tipologia validada empiricamente: (a) a “integração incerta”, caracterizada pela satisfação no polo do trabalho combinada com uma instabilidade no polo da proteção ao emprego; (b) a “integração laboral”, na qual a equação se inverte, pois existe uma insatisfação no que diz respeito ao reconhecimento na esfera laboral “compensada” pela estabilidade nos vínculos empregatícios; e (c) como caso-limite oposto ao primeiro, uma “integração desqualificante”, onde se verifica uma dupla relação negativa, porque carece de reconhecimento no trabalho e é marcado pela insegurança e instabilidade no emprego.
As investigações presentes em Le salarié de la precarité são continuadas na obra coletiva L’intégration inégale: Force, fragilité et rupture des liens (PUF, coll. « Le lien social », 2014) Como fica evidente neste livro, o processo de desqualificação social e a precarização laboral implica num enfraquecimento da vida associativa, gerando “fragilidades e rupturas” dos laços sociais os mais distintos, desde os vínculos de amizade e familiares até aqueles que dizem respeito à integração social e que permitem a construção e manutenção de uma identidade coletiva e de uma vida provida de significado. Essa ampliação do olhar permite a Paugam reinserir as questões socioeconômicas no cerne da crise democrática e cultural das sociedades contemporâneas. E isso faz com que emerja em meados dos anos 2000 uma agenda teórica e empírica muito profícua, baseada na retomada da problemática da solidariedade nas sociedades contemporâneas.

3. Repensar a solidariedade na democracia: uma teoria dos laços e vínculos sociais
Em 2007 foi publicado, sob direção de Paugam, o livro Repenser la solidarité: l’apport des sciences sociales (Paris: PUF, coleção Le lien social), composto de quase 1.000 páginas com textos de 50 colaboradores de diversas áreas de pesquisa, tornando-se uma obra de referência para acadêmicos, gestores e quadros privados e públicos na França.

Esse livro é, no nosso entender, não apenas um marco para os estudos sobre solidariedade no contexto francês e europeu, mas também para as ciências sociais como um todo. Ele se coloca na esteira do que há de melhor da tradição sociológica de Emile Durkheim e Marcel Mauss, em suas articulações com a vida política francesa (sobretudo com o movimento solidarista e o modelo de Estado social). Esta tradição se volta para a delimitação da problemática da solidariedade no centro das preocupações científicas, a fim de mostrar como a construção de laços e vínculos sociais nas sociedades modernas está articulada com a formação de uma sociedade justa, livre e cooperativa. Desta forma, este livro se constitui como um projeto de cooperação interdisciplinar em ciências sociais que integra as diversas contribuições sobre o tema da solidariedade, a fim de articular e acumular conhecimentos que fomentem o debate coletivo e possibilite reformas sociais.
Dividido em oito partes, Repenser la solidarité trata de diversas perspectivas sobre a solidariedade em sua relação com temas tais como: a justiça social, a justiça escolar, as solidariedades familiares, os laços intergeracionais, as solidariedades profissionais, os fundamentos do Estado de Bem Estar, o combate às discriminações e ao racismo, as solidariedades urbanas, a hospitalidade, a imigração, os cuidados paliativos, as ações humanitárias, a laicidade, as solidariedades supra-nacionais e internacionais etc. Ele parte de um diagnóstico sobre os desafios da atualidade, que podemos elencar, em síntese, como sendo a perda de senso do social decorrente do avanço de um individualismo autocentrado; a crise da sociedade salarial; a coexistência de desigualdades inter-geracional, racial e de gênero; o aumento de discriminações a imigrantes; a intensificação da segregação urbana; e a fragmentação do espaço escolar. Mas ela identifica também a ascensão atual, em várias frentes, de um “novo espírito de solidariedade”. Para seu desenvolvimento, segundo Paugam, é necessária uma reconstrução do contrato social que esteja baseada em uma renovação da ética da solidariedade; no fortalecimento de uma eficácia econômica associada à solidariedade social; e em uma rearticulação e pluralização das solidariedades pública e privada, com a formação de um sistema multi-solidário conjugado [emboîté] em nossas sociedades democráticas.
Na sequência desta publicação, Paugam avançou em uma tipologia teórico-empírica e comparativa das distintas formas de laços e vínculos sociais. Em Le lien social (Paris: PUF, 2008, coleção Que sais-je ?), é apresentada uma síntese de suas investigações sobre como as sociedades e os indivíduos humanos precisam se construir sobre a base das mais distintas formas de solidariedade. Elas têm sobretudo duas funções: a de proteção aos indivíduos em relação aos perigos da vida; e a de reconhecimento, ou seja, a de prover os indivíduos de sua necessidade vital de identidade relacional e de vínculos sociais, que são as fontes de sentido da própria existência. Deste modo, prolongando criativamente o legado de Durkheim, Paugam desenvolve uma sociologia dos laços sociais e de suas formas de fragilidade, com o intuito de esclarecer o quanto os desafios contemporâneos dependem de uma retomada das solidariedades sociais.
A respeito destas questões, vale mencionar que, em nossa entrevista “De quantos laços a vida social é feita?: repensar a solidariedade”, Paugam desenvolve sua visão com detalhes, elaborando-a no contexto da crise da pandemia do novo coronavírus. Além disso, indicamos que existe em português um artigo que apresenta parte de sua teoria dos vínculos: Durkheim e o vínculo aos grupos: uma teoria social inacabada, que foi publicado no dossiê Cem Anos sem Durkheim, Cem Anos com Durkheim, da Revista Sociologias (v. 19, n. 44, 2017), organizado por Raquel Weiss e Rafael Benthien em homenagem ao centenário de morte de Emile Durkheim.

4. Contribuições para a formação metodológica e sociológica



Serge Paugam possui uma identidade profissional muito bem definida: trata-se de um sociólogo daqueles que possuem uma competência plena e exemplar no exercício do ofício. Ao tratar do livro La régulation des pauvres, dissemos que ele reflete sobre o trabalho do sociólogo e o papel da sociologia; e ao discorrer sobre La disqualification sociale, mencionamos a sua renovação metodológica no campo de estudos sobre pobreza e exclusão social. Como finalização de nossa apresentação, vale mencionar que ele possui certas publicações voltadas para a formação dos cientistas sociais.
Em La pratique de la sociologie (Paris: PUF, 2008), em A pesquisa sociológica (PUF, 2010 / edição brasileira: Vozes, 2015, coleção Sociologia) e em Les 100 mots de la sociologie (Paris: PUF, 2010), Paugam proporciona livros que tratam da construção do objeto, das metodologias científicas e da pesquisa sociológica. O primeiro, além de tratar da lógica da pesquisa, se interroga a respeito do lugar e do engajamento da sociologia nas sociedades: como é exercido o ofício do sociólogo? Em que devem se engajar os estudantes para se formar no exercício da profissão? O sociólogo pode estar engajado na vida militante social e política? Por sua vez, o segundo livro traz uma coletânea de textos que apresentam a pluralidade de metodologias qualitativas e quantitativas existentes na pesquisa sociológica, oferecendo um manual de formação metodológica que é (muito estranhamente) difícil de se encontrar no campo das ciências sociais. E, por fim, no terceiro livro, Les 100 mots de la sociologie, Paugam organiza uma introdução da sociologia em verbetes escritos por vários colaboradores e separados em quatro áreas temáticas: a postura do sociólogo, os métodos da sociologia, os conceitos sociológicos e as formas de pertencimento sociais.
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