Pontos de leitura. Sobre politização do judiciário, ou nas origens do “populismo impolítico”

Excerto de:
André Magnelli. À prova do populismo. In: “Uma democracia (in)acabada”. p. 202-203.

“o populismo impolítico possui uma lógica diferente, que não tem paralelismo tão estreito com o cesarismo.

Tratam-se aqui de outros atores, aqueles que servem de contrapeso ao poder executivo e ao legislativo; a tal ponto que ele pode se tornar uma espécie de aliança, tácita ou explícita, entre setores das mídias, do judiciário e da opinião pública, em um movimento em que os poderes executivo e legislativo se veem sitiados, à beira da inviabilização.

Operando pela lógica da oposição e da denúncia, a política se torna quase sinônimo de corrupção ou de degeneração, podendo virar um bem de consumo entre o prazer do entretenimento e o ódio suscitado por indícios de crime e denúncias de desfeitos.

Assim, se Rosanvallon mostrou, em A contra-democracia e em A legitimidade democrática, o quanto são importantes, nas democracias contemporâneas, o judiciário, a opinião pública, o Ministério Público, as mídias e os movimentos de contestação, ele mostra que existe sempre a possibilidade, interna ao processo democrático, deles exacerbarem seus papéis, curto circuitando os poderes, reivindicando supremacia na representação e criando uma aparência de democracia direta pela penalização da política.

Pela operação dos contrapoderes, de um passo em falso, abrem-se abismos: da vigilância, eis uma paixão pela denúncia destrutiva; das resistências, eis uma ação avessa à deliberação e afeita a vetar tudo; e da opinião crítica, eis uma aliança diabólica entre uma opinião pública hipercrítica e despolitizada, uma Justiça ativista e inquisitória e uma mídia sensacionalista e acusatória. A crítica dos políticos pode se reverter no prazer de estigmatizar toda ação política e autoridade governante, transformando o Estado em um inimigo a ser combatido, e não em um representante a ser reapropriado. Uma democracia que se volta contra a política destrói a si mesma, paralisando-se na limpeza ética e na diabolização do outro. Do ódio à política resulta um teatro da crueldade ou um circo sadomasoquista. O nojo da política e a afirmação de que “todos os políticos são iguais” se convertem facilmente na palavra de ordem “Que se vão todos”. Arrisca-se a oscilar, impotentemente, entre a indignação resignada e o apelo a uma intervenção messiânica, antissistêmica, militar ou, mesmo, alienígena.”

Fonte da imagem: artista Cristiano Siqueira @crisvector


Deixe uma resposta

por Anders Noren

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: