Pontos de Leitura/Academia de Livre Formação. Rousseau: uma crítica da representação política – por Alessandra Maia e André Magnelli

Como parte do nosso Ateliê de Filosofia Política, trazemos, no Pontos de Leitura do Ateliê de Humanidades, o verbete “Rousseau: uma crítica da representação política“, de Alessandra Maia & André Magnelli.

Ao longo das atividades do Ateliê de Filosofia Política, trazemos outros textos sobre autores como Hobbes, Locke, Montesquieu, Sieyès, Rosanvallon, Manin etc. O objetivo é apresentá-los de forma sinóptica, fornecendo um pequeno mapa mental que sirva de ferramenta para pensar filosófica e politicamente.

Todos os textos estão disponíveis em formato .pdf. É só baixar no site.

Mais informações sobre a proposta: https://ateliedehumanidades.com/2024/03/10/academia-de-livre-formacao-atelie-de-filosofia-politica/.

Alessandra Maia & André Magnelli
Pontos de Leitura, 26 de abril de 2024


Rousseau:
uma crítica da representação política

Alessandra Maia &
André Magnelli

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um homem múltiplo: educador, literato, esteta, musicista, linguista, botânico, proto-romântico e, por último mas não menos importante, teórico político. Visto como contraditório, paradoxal e mesmo dissimulado, falou-se muito de um “enigma Rousseau”.1 Todavia, apesar das tensões internas, seu pensamento tem uma sistemática conceitual. Um exemplo disso está no fato de Emílio: ou da educação (1762) ter sido concebido como prenúncio ao Do contrato social: ou princípios do direito político (1762), de modo que a investigação do fundamento da vida civil aparece como a culminação de uma educação para a liberdade.

A obra de Rousseau inaugurou o pensamento republicano moderno, inspirou a Revolução Francesa2 e concebeu, avant la lettre, os fundamentos da democracia. O Contrato Social coloca em novos termos o pensamento político: contrário à defesa do “direito do mais forte” de um Hugo Grotius, ele submete a força e a obediência ao direito e à justiça; e crítico das teorias da soberania de Jean Bodin e sobretudo de Thomas Hobbes, ele radicaliza o contratualismo refutando uma tendência natural para a guerra e recusando a alienação completa no Estado. Desde o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755), Rousseau havia concebido o ser humano como naturalmente livre; todavia, se, no Discurso,ele trata de uma liberdade natural perdida com a desigualdade e a civilização, no Contrato Social ele fala das condições de uma liberdade civil. Considerando “os homens como são e as leis como podem ser”, a sociedade não é conceituada como uma multidão ou um agregado, mas sim como um corpo moral e coletivo, que tem origem numa associação de indivíduos voltada ao bem comum: o contrato (ou pacto) social.

Desse modo, Rousseau faz a legitimidade política estar na dependência de uma constituição em “igual-liberdade”. Uma lei só deve ser obedecida porque indivíduos livres a instituíram para todos e cada um, formando laços sociais recíprocos. A diferença antropológica entre súdito e autoridade é desfeita, o que se traduz em formulações célebres que lhe custarão caro, com perseguições até o fim da vida, tais como: “o homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles”3; e “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres (…)”.4 E, de fato, ele construiu um dispositivo conceitual com potência revolucionária.

Tudo se joga na força explosiva do conceito de vontade geral. Ao invés de partir da instituição da representação, isto é, “do ato pelo qual um povo elege um rei”, ele dá um passo atrás para tratar do ato instituinte, isto é, “o ato pelo qual um povo é povo”, que é “o verdadeiro fundamento da sociedade” (1762, Livro I, cap.V). Assim ele opera uma tradução inédita do esquema teológico-político medieval – o do rei soberano legitimado pela vontade divina – para imaginar uma soberania do povo expressa na vontade geral. Esse processo de secularização de um soberano definido pela vontade se evidencia quando escutamos os seus atributos: inalienável (Livro II, 1), indivisível (II, 2), certo (II, 3), ilimitado (II, 4) e indestrutível (IV, 1).

Essa “vontade geral” se distingue, por óbvio, das “vontades particulares”. Mais importante, porém, é a sua distinção em relação à “vontade de todos”. O princípio da maioria – a soma das vontades de cada um – é submetido ao ideal de unanimidade – o consenso do corpo social. A vontade deve partir do todo formado pela generalidade de cidadãos para aplicar-se a todos, tendo o interesse público como ponto de fusão. Por isso que o Contrato Social se tornará a principal fonte de crítica à representação política. O próprio Rousseau afirma, de modo categórico, que “a vontade geral não pode ser representada”, que “(…) o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo (…)” (II, 2) e que “no momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre; não mais existe” (III, 15). Essas frases devem ser bem lidas, pois Rousseau não desconhece que a representação é politicamente necessária.

O ponto de partida está na premissa de que nenhuma organização da “representação” pode suprimir a participação popular e limitar a vontade do soberano. Quando Rousseau afirma que a vontade geral não pode ser submetida a “grilhões futuros”, ele quer dizer que o povo soberano pode negar a ordem estabelecida e instaurar uma nova: “não há no Estado nenhuma lei fundamental que não possa ser revogada, nem mesmo o pacto social, pois, se todos os cidadãos se reunissem para, de comum acordo, romper esse pacto, não se pode duvidar que fosse muito legitimamente rompido” (III, 18). Para compreender melhor o que isso quer dizer, precisamos trabalhar com dois sentidos do termo “representação”: como figuração ou como mandato.5

O Contrato Social diz respeito, antes de tudo, ao processo legislativo constituinte. Com isso, o livro constrói a imaginação do legislador originário que inspira o constitucionalismo moderno. Como ele diz: “no momento em que o povo se encontra legitimamente reunido em corpo soberano, cessa qualquer jurisdição do Governo, suspende-se o poder executivo e a pessoa do último cidadão é tão sagrada e inviolável quanto a do primeiro magistrado, pois onde se encontra o representado não mais existe o representante” (III, 13). Uma assembleia constituinte é um momento de figuração do soberano. Nela a vontade coletiva é exercida e, também, representada, no sentido em que a soberania é antecipada pelo desenho institucional – o Estado – que deve encarná-la ao longo do tempo. Este ato instituinte se realiza pela participação direta do povo na construção da constituição, que deve ser interpretada a partir de então em relação à vontade original. Na verdade, Rousseau é ambíguo, porque ele também recorre a uma figura diferente daquela do soberano: a do Legislador. Esse último seria um homem com inteligência superior, quase divina, capaz de ver as paixões humanas do alto e sem ter benefício com as instituições por ele criadas. Tendo em vista que as pessoas não pensam a partir de pontos de vista muito gerais e distantes e tendem a considerar as coisas por interesses particulares, ocorre que “a vontade geral é sempre certa, mas o julgamento que a orienta nem sempre é esclarecido” (II, 7). No momento da fundação, seria preciso alguém sábio e persuasivo, com uma visão esclarecida dos fins da sociedade e capaz de conceber as instituições que vão educar o povo para se tornar soberano. Rousseau faz, desta forma, uma teoria ambivalente, entre o ideal democrático do povo livre e a visão romântica do gênio criador.

Inspirando-se na Antiguidade grega e romana, Rousseau estabelece, além disso, o direito (e o dever) de participação do povo na política ordinária. Ao evocar a assembleia popular como constitutiva do processo político, ele instituiu o papel da deliberação por consenso como formadora de leis e de decisões detentoras de legitimidade. Por essa razão, Rousseau é um dos fundadores do republicanismo moderno. Se ele afirma que “os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes, [pois] não passam de seus comissários [commis], nada podendo concluir definitivamente” (III, 14), ele está negando que o soberano possa ser substituído por um processo representativo, mas ele reconhece a necessidade de uma representação-mandato. Com efeito, representar é um processo falível. O representante pode se afastar de sua função de comissário (representação-mandato) ou fracassar na expressão da soberania popular (representação-figuração); por isso, as decisões nunca são definitivas e o povo tem o direito de participar como criador, revisor, corretor ou validador. A própria deliberação de uma assembleia, por mais ampla que seja, também pode distorcer a vontade. É sempre possível que o povo se engane ou seja enganado, passando a querer o próprio mal (II, 3). De todo modo, a regra é clara: todo o ato que pretende representar a vontade geral deve ser submetido ao sufrágio livre do povo. De forma implícita, ele defende uma antecipação radical dos instrumentos modernos do referendo e do plebiscito.

Passagens como essa acabam inspirando a oposição entre democracia direta e democracia representativa. Sendo essa última vinculada à tradição liberal, Rousseau é visto como o teórico da primeira. No entanto, os termos do problema estão incorretos. Ele deixa claro que não acredita numa democracia participativa ampla, geral e irrestrita: “é contra a ordem natural governar o grande número e ser o menor número governado. Não se pode imaginar que permaneça o povo continuamente em assembleia para ocupar-se dos negócios públicos (…)” (III, 4). Ele deixa claro, inclusive, que “não se deve multiplicar em vão os recursos, nem fazer com vinte mil homens o que cem homens escolhidos podem fazer ainda melhor” (III, 13), uma vez que a ampliação das pessoas envolvidas nas decisões pode tornar as coisas muito lentas e a vontade de tudo deliberar faz com que se perca o objeto da deliberação. O ponto principal é, portanto, que se a vontade coletiva não pode ser alienada, é preciso que o poder de alguma forma o seja (II, 2). Criticando a teoria dos três poderes de Montesquieu, ele concebe um poder originário, o legislativo, do qual derivam, enquanto emanações, o poder executivo e o poder judiciário.

No livro III do Contrato Social, Rousseaupassa dos conceitos mais abstratos para os modos concretos de realização da vontade geral. Na definição do poder executivo encontramos uma distinção esclarecedora entre soberano, lei, Estado, príncipe e governo. “Não sendo a Lei mais do que a declaração da vontade geral, claro é que, no poder legislativo, o povo não possa ser representado, mas tal coisa pode e deve acontecer no poder executivo, que não passa da força aplicada à Lei” (III, 15). Ao passo que o soberano cria a lei que se atém ao geral, o governo é a força particular que se aplica a particulares. Ele é o intermediário entre os súditos e o soberano e o comunicador entre o soberano e o Estado. Sendo a “força pública” que reúne e põe em ação as diretrizes da vontade geral, ele é encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade. Os governantes são chamados de “magistrados”ou “reis”, e o corpo do governo, de “príncipe”. O soberano pode limitar e modificar o príncipe, mas não pode governar sem ele. Os três – soberano, governo/príncipe e Estado – devem ser mantidos separados para nutrir inter-relações proporcionais. No entanto, existe “a ilusão de que a melhor constituição seria a que o poder executivo estivesse ungido pelo legislativo, que quem faz as leis a execute (…)” (III, 4). Quando confundidos, surge uma indistinção entre fato e direito, um “Governo sem Governo”, cujo resultado é que “não se saberia mais o que é a lei e o que não é, e o corpo político, desnaturado, cairia logo nas garras da violência contra a qual fora instituído” (ibid., III, 16); neste caso, “a desordem toma o lugar da regra, a força e a vontade não agem mais de acordo e o Estado, em dissolução, cai assim no despotismo e na anarquia” (III, 1).

Como estabelecer um governo? Ao falar disso, Rousseau evidencia como entende as eleições e as decisões. Ele diz que o sufrágio pode ocorrer por escolha ou por sorteio, mas prefere esse último como mais adequado à democracia. Além disso, ele diz que só o pacto social exige um consentimento unânime; fora dele, “o voto dos mais numerosos sempre obriga os demais” (IV, 2). Ele chega até mesmo a ditar regras práticas, como a distinção entre maioria simples e maioria absoluta. De todo modo, ele supõe que, num corpo bem constituído, a vontade geral se manifesta na pluralidade e rege a formação da maioria. Por trás da eleição existe o consenso do contrato social, uma unanimidade que permite opinar, propor, dividir e discutir com tranquilidade, dando legitimidade ao processo e base para a obediência da minoria. Quando o laço social se afrouxa e o Estado se arruína, “o interesse mais vil se pavoneia atrevidamente com o nome sagrado do bem público, então a vontade geral emudece – todos (…) já não opinam como cidadãos (…) e fazem-se passar fraudulentamente, sob o nome de leis, decretos iníquos cujo único objetivo é o interesse particular” (IV, 1). Neste caso, o corpo político se dilacera em disputas ou, quando subjugado, expressa uma unanimidade servil na qual “o temor e a adulação transformam os sufrágios em aclamação; não se delibera mais, adora-se ou se maldiz” (IV, 2). De todo modo, tendo em vista o caráter indestrutível da soberania, “mesmo quando vende seu voto a peso de dinheiro, [o cidadão] não extingue em si a vontade geral – ilude-a” (III, 13).

E como o corpo político deve ser governado? Para tratar disso, Rousseau inclui, ao lado da vontade geral e das vontades particulares, a vontade do corpo do príncipe, aquela que está presente no que se chama hoje de “corporativismo”. Sua análise das relações entre as vontades (particular, geral e do corpo) e entre o soberano, o governo e o povo nos fornece um realismo que foi ofuscado pelo idealismo com o qual se acostumou a lê-lo. Não existe um governo bom para todos os casos. Tudo depende de um equilíbrio proporcional entre os termos em conformidade com os demais fatores, como as condições naturais, o número da população, o tamanho do território etc. As condições mais próximas do ideal democrático são as de uma pólis muito pequena, homogênea social e moralmente e com baixa atividade econômica. Na verdade, diz ele, “tomando-se o termo no rigor da acepção, jamais existiu, jamais existirá uma democracia verdadeira”. Em termos gerais, um governo republicano perfeito teria a vontade geral mais forte, a vontade do corpo em intensidade média e a vontade particular quase nula; mas, na ordem natural das coisas, “(…) a vontade geral é sempre a mais fraca, tendo o segundo lugar a vontade do corpo, e a vontade particular o primeiro, de modo que no Governo cada membro é primeiramente ele próprio, depois magistrado e depois cidadão” (III, 3). Por isso, a união do poder num homem só tende ao despotismo, visto que as vontades do corpo e do particular estariam fundidas. Sem ilusões, ele diz que o abuso do governo é sempre possível; mais ainda, que “todos os governos do mundo, uma vez revestidos da força pública, mais cedo ou mais tarde usurpam a autoridade soberana” (III, 18). Afinal, quando concentrada, a vontade do corpo ganha uma gravitação própria. Logo, quanto mais o Estado e os magistrados aumentam, mais diminui a liberdade e a força de agir do bem comum. Por essa razão, ele prevê o estabelecimento no contrato social de assembleias periódicas com perguntas sobre se apraz ao soberano conservar a forma de governo e a administração (III, 18). Por outro lado, quando se busca ampliar o governo incluindo todos os cidadãos, não teremos o reino da vontade geral, mas sim a pulverização em vontades particulares que torna impossível um príncipe. Portanto, “a arte do Legislador está em saber fixar o ponto em que a força e a vontade do Governo, sempre em proporção recíproca, se combinem na relação mais vantajosa para o Estado” (III, 3).

Falamos até então do poder executivo, mas o que dizer sobre o poder judiciário? Rousseau fala muito pouco sobre isso. O lugar do judiciário pode ser esclarecido através dos problemas acarretados por sua teoria. A começar por uma evidência de partida: o que é inalienável não é a soberania dos indivíduos, mas a do povo. Rousseau fala de uma alienação total de cada associado, em estado de igualdade, à comunidade. Se existem os direitos do soberano, que é o povo, e do cidadão (com direitos de participação), o contrato social não proporciona uma base sólida para os direitos humanos. Mesmo que Rousseau tenha o inventado ao imaginar, em pleno mundo aristocrático, que os homens nascem e devem ser livres e iguais, ele não pensa suficientemente nas instituições que garantem a liberdade civil. Ele afirma que o soberano tem “um poder absoluto sobre todos os seus” (II, 4); que os direitos de cada indivíduo a seus bens pertencem à comunidade; que o soberano não necessita de qualquer garantia face aos súditos porque só vai querer o bem deles e é sempre aquilo que deve ser; que quem se recusa a obedecer ao soberano deve ser forçado, possuindo ele um direito de vida e morte sobre todos; e que cabe a cada cidadão o dever de se sacrificar pela pátria. Como compreender todos esses princípios sem ver neles um elogio à tirania do coletivo? Esse fato se torna ainda mais complexo quando ele afirma que a vontade geral será menos distorcida quanto mais os indivíduos forem separados e sem comunicação no momento do sufrágio, e quanto menos existirem as associações particulares na sociedade. Isto é, com a visão de um povo bom e indivisível, Rousseau constrói uma concepção de soberania em conflito com a pluralidade das associações (os “corpos intermediários”), de forma que a diversidade de interesses, vontades e opiniões nas associações é interpretada muitas vezes como facções e partidos que destróem a unidade entre força e a vontade do soberano. Como não perceber que essas premissas, uma vez postas em prática, tendem a legitimar a destruição do laço social em favor do Estado?

Esses problemas são reais e não podem ser desprezados como mal-entendidos. Em defesa de Rousseau, podemos escutá-lo dizer que a vontade geral só se afirma absolutamente quando se trata do geral e que, quando o soberano quer ser um juiz de questões particulares – os bens, interesses, direitos, vidas etc. –, ele é induzido à injustiça e ao erro, e acaba por corromper-se. O poder soberano “não passa nem pode passar dos limites das convenções gerais” e “todo o homem pode dispor plenamente do que lhe foi deixado, por essas convenções, de seus bens e de sua liberdade, de sorte que o soberano jamais tem o direito de onerar mais a um cidadão do que a outro, porque, então, tornando-se particular a questão, seu poder não é mais competente” (II, IV). Esta circunscrição dos limites do soberano não se traduz, contudo, em uma concepção de instituições garantidoras dos direitos individuais. A história ulterior vai proporcionar muitos aprendizados sobre as tensões existentes entre a soberania do povo e os direitos humanos. Pensadores franceses das gerações seguintes, como Abade de Sieyès, Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville, perceberam bem as armadilhas da teoria da vontade geral. Esses aprendizados levaram à construção de institutos, como as Supremas Cortes Constitucionais, os Ministérios Públicos, os procedimentos garantistas no direito, as cláusulas pétreas etc.

Isso foi feito, de certo modo, contra Rousseau, mas não deixou de ser feito com ele. É porque se ele nos conduziuauma excessiva idealização do povo, sua teoria pode ser compreendida na linha de Immanuel Kant, que viu nela a descoberta da lei moral no plano das ideias da razão. Deste modo, caso compreendamos a vontade coletiva como uma forma pura à qual recorremos contrafactualmente, de forma processual e dialógica, e não como uma substância empírica na realidade, podemos descobrir em Rousseau um dos principais pensamentos para a fundação pós-totalitária dos direitos do homem. Foi o que fez Jürgen Habermas, quando defendeu a “soberania coletiva como um processo”. Quando compreendemos a soberania do povo como um processo histórico mediado por pretensões universais sempre inacabadas no interior de processos comunicativos, podemos ler com outros olhos a sabedoria desta passagem do nosso pensador: “se quisermos formar uma instituição duradoura, não pensemos, pois, em torná-la eterna. Para ser bem sucedido não é preciso tentar o impossível, nem se iludir com dar à obra dos homens uma solidez que as coisas humanas não comportam” (III, 9).

Notas

1 Ver Cassirer, E. [1932], 1989. The question of Jean-Jacques Rousseau. Yale University Press.

2 Cf. Manin, B. (1988) Rousseau. In: Furet, François; Ozouf, Mona (orgs.). Dictionnaire critique de la Révolution Française. Paris: Flammarion, p. 872-887; Gauchet, Marcel (1989) La Révolution des droits de l’homme. Paris: Gallimard.

3 Rousseau, J. J. (1762) Du contrat social. In: Rousseau, Jean-Jacques (1896) Du Contrat social, édition comprenant, avec le texte définitif, les versions primitives de l’ouvrage collationnées sur les manuscrits autographes de Genève et de Neuchâtel, une introduction et des notes, par Edmond Dreyfus-Brisac. Paris: Félix Alcan.

4 Ibid.

5 Rosanvallon, Pierre (1998) Le peuple introuvable. Paris: Seuil.

Referências

Cassirer, Ernst [1932], 1989. The question of Jean-Jacques Rousseau. Yale University Press.

Gauchet, Marcel (1989) La Révolution des droits de l’homme. Paris: Gallimard.

Habermas, Jürgen (1992) Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaates. Frankfurt am Main: Suhrkamp.

Manin, Bernard (1988) Rousseau. In: Furet, François; Ozouf, Mona (orgs.). Dictionnaire critique de la Révolution Française. Paris: Flammarion, p. 872-887.

Rosanvallon, Pierre (1998) Le peuple introuvable. Paris: Seuil.

Rousseau, Jean-Jacques (1755) Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes. In: Rousseau, J. J. (1830) Oeuvres complètes de J. J. Rousseau, Tome I. Paris: Armand-Aubrée.

Rousseau, Jean-Jacques (1762) Du contrat social. In: Rousseau, Jean-Jacques (1896) Du Contrat social, édition comprenant, avec le texte définitif, les versions primitives de l’ouvrage collationnées sur les manuscrits autographes de Genève et de Neuchâtel, une introduction et des notes, par Edmond Dreyfus-Brisac. Paris: Félix Alcan.

Rousseau, Jean-Jacques (1762) Émile ou l’éducation. In: Rousseau, J. J. (1830) Oeuvres complètes de J. J. Rousseau, Tomes III et IV. Paris: Armand-Aubrée.

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