Fios do Tempo. Padrões, dilemas e opções: a sociologia na pele de Florestan – por André Magnelli

Trazemos hoje a apresentação ao volume 9 da Biblioteca Básica Latino-Americana (BBLA), “Padrões e dilemas”, de Florestan Fernandes. Escrito por André Magnelli, este ensaio faz uma exposição da trajetória do autor e uma análise do conjunto da sua obra.

Evitando as facilidades do discurso laudatório (pois esse último fornece elogios complacentes em detrimento de uma leitura cuidadosa), este ensaio tem o intuito de ser uma porta de entrada aprofundada, compreensiva e crítica à sociologia de Florestan.

Essa é, creio eu, a melhor forma de receber o legado de um pensador que se caracterizou pela busca instransigente (ainda que nem sempre justa consigo e com os outros) por uma responsabilidade intelectual, ao mesmo tempo conceitual, metodológica, empírica e política.

A.M.
Fios do Tempo, 06 de novembro de 2023



Padrões, dilemas e opções:
a sociologia na pele de Florestan

Não se pode pôr o cientista social fora da sua pele
(Florestan Fernandes, em A condição de sociólogo).

A biografia (e a obra) do professor Florestan Fernandes é a história dos sem-história. É a história da emergência dos pobres na história, como sujeitos de seu destino, com seu próprio nome. Esse é o busílis da questão, como ele gostava de dizer
(José de Souza Martins, em Florestan Fernandes).

No último volume da Biblioteca Básica Latino-Americana (BBLA), trouxemos Mário de Andrade, liderança do movimento modernista; e agora publicamos Florestan Fernandes, protagonista das ciências sociais. Como disse Horacio González, o nome de Florestan “se confunde com a própria sociologia no Brasil”.1 Ele é, de fato, muito reconhecido, celebrado, comemorado, sobretudo entre os que reconhecem o alto nível das ciências sociais a que chegou a “escola sociológica paulista”. Tenho dúvidas, contudo, se sua obra é satisfatoriamente interpretada, continuada e criticada, tendo o intuito de renovar a tradição sociológica através dos recursos do pensamento esclarecido.

Florestan Fernandes (1920-1995) é de ascendência portuguesa, nascido na cidade de São Paulo, de origem popular.2 Com pai desconhecido, sua mãe trabalhava como lavadeira. Serviu em barbearia, foi engraxate de rua e garçom. Quando trabalhava num bar no centro de São Paulo, ouviu de um frequentador que o observava debruçado em livros a sugestão de que fizesse um curso universitário. A patroa da mãe, que foi sua madrinha, havia o estimulado desde cedo para os estudos. Por cisma dela, ele viveu a infância em dupla identidade. Ela o chamava de “Vicente”, pois considerava que “Florestan” não era nome de pobre. Quando terminou a escolarização com um supletivo aos 17 anos e ingressou na Universidade, Vicente se esvaiu ao passo que Florestan floresceu.

Estávamos no final da década de 1930, quando as universidades eram um fato recente no Brasil. A Universidade de São Paulo (USP), que foi a primeira delas, começou a ser criada em 1934 no centro econômico mais dinâmico do país, concebida como símbolo e projeto de uma modernização promovida pelas elites de São Paulo. Sua criação teve a participação de uma missão de professores da França, chegados aqui em algumas levas entre 1934 e 1938, dentre os quais Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Paul-Arbousse Bastide, Pierre Monbeig, Jean Maugüé, Paul Hugon e Roger Bastide. Alguns deles permaneceram por um bom tempo ou se fixaram no Brasil, como Bastide, Monbeig, Maugüé e Hugon. Florestan Fernandes, tendo ingressado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, foi aluno deles e de outros intelectuais de grande envergadura, como Fernando de Azevedo, Emílio Willems e Herbert Baldus. Junto com colegas de turma, dentre eles Antonio Candido, pertenceu a uma geração que se viu encarregada pela formação das ciências sociais no Brasil, tornando-se ele próprio a representação mais consciente e determinada de um intelectual engajado na modernização da sociedade brasileira pelas vias do trabalho científico.

Quando terminou a graduação, Florestan passou por uma “crise moral”, pois se indagava sobre questões básicas: “o que é a sociologia? O que são as ciências sociais? Posso ser um sociólogo? Sei o suficiente para ser um sociólogo?”.3 Para lidar com isso, fez o que chamou de uma “montagem autodidática”, paralela à formação universitária, com um plano de leitura e estudo de cerca de 16 horas por dia. Não temos dúvida, ele conseguiu dar o salto que desejava. Está aqui um pequeno demonstrativo de sua personalidade, descrita por ex-alunos e amigos, como Antonio Candido, Fernando Henrique Cardoso e José de Souza Martins. Não faltam qualificações admiradoras, muitas delas efusivas: uma “personalidade marcada pelo titanismo” e “alto senso de dever”; um “grande homem”, “íntegro no caráter, na inteligência, na atuação”; um indivíduo destemido com “coragem física, moral e mental”, que soube “forjar a si mesmo combinando a força da paixão com a boa forma da conduta”; um estudioso com “poderosa capacidade de atenção e concentração” e “resistência física e mental extraordinárias”; um “erudito que leu praticamente sobre tudo”; um cientista de “poderosa penetração analítica” e “imaginação sociológica”, que teve um “dom de correlacionar” e uma “capacidade de discernir os temas essenciais”; um professor com “rara capacidade de assistência intelectual aos alunos”; e, enfim, um “militante solitário sui generis” que valia“ele próprio um partido”.4

Não por acaso, Florestan foi precoce. Destacou-se desde o início já como estudante. Em 1945, aos 25 anos, tornou-se assistente de Fernando de Azevedo na cátedra de Sociologia II, recusando outros dois convites simultâneos para as cátedras de economia e de estatística. Em 1952, passaria para a assistência de Roger Bastide na cátedra de Sociologia I; em 1954, com o retorno do antropólogo à França, assumiu interinamente a cátedra, até se tornar titular com a defesa da tese de livre-docência em 1964, mesmo ano em que o trabalho da sua geração foi ceifado pelo golpe civil-militar.

Podemos distinguir seu percurso em quatro fases. Elas se interpenetram, por óbvio, havendo continuidades de temáticas, interesses e ações entre uma e outra, mas elas demarcam viradas significativas em sua trajetória: (1) de 1940 ao início de 1950, temos o período de formação, com investigações sobre folclore, etnologia e teoria sociológica; (2) de início de 1950 até 1964, trabalha na construção de uma “escola sociológica”, conformando-se uma ampla agenda de investigações; (3) de 1964 até 1980, chega na maturidade, com a análise dos padrões e dilemas do capitalismo dependente no Brasil e uma radicalização no posicionamento político; por fim, (4) a partir de meados de 1980, ele atua na política institucional com suas propostas de construção da República, momento em que se torna filiado a partido político, membro da constituinte, deputado federal e tribuno na imprensa.

1. O Jovem Florestan (1940-1951): entre folclore, etnologia e teoria sociológica

Ao longo da década de 1940, Florestan Fernandes se formou sob influência de professores como Fernando de Azevedo, Emílio Willems, Herbert Baldus e, em especial, Roger Bastide. Pesquisou em distintas áreas de investigação, fazendo isso sempre com alta qualidade. Sua iniciação como pesquisador se deu no folclore; e o fim de sua formação ocorreu na etnologia.5 Na costura entre o folclore e a etnologia realizou um esforço constante de sistematização da teoria e da metodologia em ciências sociais.

Um jovem teórico na periferia

Desde o início, o jovem Florestan é marcado por um pluralismo teórico. Essa amplitude lhe valeu a pecha de “eclético”, o que não faz jus à sua peculiar capacidade de teorizar com rigor conceitual e metodológico – o que é bem raro, ainda hoje, no Brasil. Ele construiu, desde cedo, um repertório teórico a partir de uma apropriação das teorias funcionalistas oriundas da tradição sociológica francesa (Émile Durkheim e Marcel Mauss), da antropologia social anglo-saxônica (Alfred Radcliffe-Brown, Bronislaw Malinowski, Ralph Linton) e do funcionalismo norte-americano (Robert Merton, Talcott Parsons). Ele construiu, desse modo, um arcabouço conceitual que o acompanhou por toda a vida, com conceitos como “sistema de referência”, “comportamento adaptativo”, “função social”, “controle social”, “normas e valores”, “papéis sociais”, “aprendizado”. Essa influência funcionalista ocorreu tanto no nível macrossociológico (o que era de se esperar), quanto nos níveis mesossociológico e microssociológico, pois o que estava em jogo em suas primeiras pesquisas, tanto no folclore como na etnologia, era a investigação de relações e estruturas da vida comunitária, e não pesquisas sobre os grandes sistemas da sociedade moderna. Além disso, os estudos sobre folclore – assim como a agenda de investigação sobre São Paulo a partir de meados de 1950 – buscavam fazer algo semelhante ao feito pela “Escola de Chicago”: uma investigação das condições de vida de uma grande cidade em rápida mudança. Vale notar, também, que a investigação etnológica não significava um distanciamento em relação a uma ambição sociológica. Na verdade, seu trabalho etnológico, influenciado pelo ambiente francófilo da USP, “estava dentro da tradição francesa, que permite incluir o estudo de povos primitivos no campo da Sociologia”, o que ocorria diferentemente de alemães e norte-americanos, que tendiam já a distinguir entre sociologia e etnologia/etnografia.6

Na busca de um caminho próprio como sociólogo, o jovem Florestan trabalhou, também, em outras frentes: uma interpretação dos clássicos (Marx, Weber, Durkheim); uma leitura original de Karl Mannheim; uma clarificação de conceitos básicos da pesquisa sociológica (como os de controle social, organização social, classe social); e uma investigação sobre a metodologia das ciências sociais. Todos esses esforços vão se aprofundar e ganhar novas feições nas fases ulteriores, tendo um fechamento provisório com a publicação das coletâneas Elementos de sociologia teórica (1970) e Ensaios de sociologia geral e aplicada (1971).

É fundamental destacar, aqui, a importância do pensamento de Mannheim na construção do caminho sociológico de Florestan. Mannheim proporcionou várias coisas ao jovem sociólogo: (a) uma síntese original das vertentes teóricas da época (funcionalismo, fenomenologia, marxismo, sociologia weberiana, pragmatismo); (b) uma forma de análise sociológica dos indivíduos, grupos e classes, com seus valores, consciências, interesses e comportamentos, a partir de uma sociologia da cultura e do conhecimento; (c) uma organização sistemática do campo da sociologia que será aperfeiçoada por ele (que fará uma distinção entre sociologia sistemática ou geral, sociologia comparada, sociologia descritiva, sociologia diferencial e sociologia aplicada); (d) uma concepção positiva do papel dos intelectuais nas sociedades modernas e na cultura democrática; e (e) a proposição de uma ciência social voltada para a orientação prática da política e do planejamento democrático.7 Tende-se a minimizar hoje essa influência de Mannheim (autor pouco conhecido pelas novas gerações) por causa da conversão de Florestan ao marxismo; mas, se Florestan foi de fato militante trotskista no início da vida estudantil (num grupo liderado por Hermínio Sacchetta) e se ele fez uma tradução da Introdução à “Crítica da economia política” de Marx em 1946 – fatos que ele menciona como prova de que sempre teria sido marxista e socialista –8, nada disso minimiza a influência decisiva de Mannheim (assim como do funcionalismo) na construção do seu pensamento.

Iniciação no folclore

Como dissemos, Florestan começou pelo folclore. Em 1941, ele fez um levantamento sobre manifestações folclóricas na cidade de São Paulo, sob orientação de Roger Bastide. Inicialmente, ele tinha por objetivo um estudo sociológico do folclore paulistano, descrevendo-o em conjunto, nas distintas formas existentes, a fim de proporcionar uma base empírica para estudos sistemáticos, históricos e comparativos. Contudo, ele acabou não conseguindo realizar esse projeto. Tendo publicado de modo esparso alguns artigos e materiais em jornais e revistas, Florestan os reuniu em coletâneas posteriores.9 Impressiona-nos a qualidade do material folclórico registrado, a riqueza dos temas abordados e a força da reflexão teórica. Com a assistência de Roger Bastide e Emílio Willems, ele pesquisou as expressões musicais folclóricas (Congadas e batuques em Sorocaba, 1942); as representações sobre negros e preconceitos raciais na tradição oral (Representações coletivas sobre o negro, 1943); os usos da magia no ambiente urbano (Aspectos mágicos do folclore paulistano, 1944); as brincadeiras tradicionais em grupos infantis (“As trocinhas” do Bom Retiro, 1944); os jogos de adivinhas (Contribuição para o estudo sociológico das adivinhas paulistanas, 1952); e as cantigas de ninar (Contribuição Contribuição para o estudo sociológico das cantigas de ninar, 1958). Quando lemos os textos dele sobre folcloristas como Sílvio Romero (em 1945), Mário de Andrade (em 1946) e Amadeu Amaral (em 1948), assim como os vários artigos sobre o tema10, notamos como ele tinha um pleno domínio dos problemas teóricos e metodológicos do campo.

Na sua coletânea principal sobre folclore, ele apresentou uma excelente introdução, escrita na maturidade (O folclore de uma cidade em mudança, 1961) e acompanhada por materiais inéditos reunidos quando jovem.11 Ele deu com isso um desfecho às problemáticas que o mobilizaram, buscando deixar material para novos pesquisadores. Vendo as coisas em retrospectiva, ele afirma que se ateve a dois problemas principais: a investigação das funções sociais do folclore; e a relação entre o folclore e os processos de mudança social. A respeito das funções sociais, ele abordou três dimensões: a influência do folclore sobre a socialização das crianças organizadas em grupos, que conduz ao desenvolvimento da personalidade e ao aprendizado de padrões e normas de comportamento; a sócio-dinâmica do folclore como controle social sobre os adultos por meio de provérbios, máximas, contos etc.; e a presença ativa do folclore, enquanto herança social, no modo de vida citadino, o que propicia ajustamentos aos emigrados da zona rural e gera “disposições psico-sociais favoráveis à renovação cultural com base na conservação de elementos essenciais à integridade da ‘civilização brasileira’”.12 Embora afirme que o folclore é importante para perpetuar e renovar a herança social tradicional, e apesar de reconhecer que, na cidade, “o novo, o velho e o arcaico aí coexistem e se entrelaçam, organicamente”, Florestan não romantiza as tradições. Ele afirma, ao contrário, que, devido à rápida mudança social, a cidade de São Paulo – diferentemente de Rio de Janeiro, Salvador e Recife, por exemplo –, não teria condições propícias tanto para a conservação/renovação dos complexos folclóricos, quanto para a formação de um folclore urbano; além disso, ele diz que certas formas de pensamento e técnicas tradicionais não são compatíveis com o estilo de vida urbano, o que acarreta em tensões, desajustamentos e decepções. Portanto, “para tirar proveito de sua herança tradicional, o homem precisa vê-la à luz das condições de vida e das exigências adaptativas da ‘grande cidade’”.13

Etnologia do ponto zero de nossa história

As pesquisas etnológicas de Florestan foram bem mais longe. Sob orientação de Herbert Baldus, ele fez uma dissertação sobre A organização social dos Tupinambá (defendida em 1947 epublicada em 1949) na Escola Livre de Sociologia e Política da USP14; e uma tese de doutorado sobre A função social da guerra na sociedade Tupinambá, defendida em 1951 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.15 Tratava-se de “um jovem abrindo o seu caminho dentro da Sociologia”16, com um esforço inédito de “etnologia histórica” que reconstruiu a forma de vida dos tupi no momento da chegada dos brancos. Como diz com razão, “como tema para o estudo do Brasil (…) Ali se achava o ponto zero de nossa história”.17 Para fazer isso, ele tomou emprestada a ideia de civilização de Marcel Mauss, de quem já era leitor: “Não estava estudando apenas uma comunidade local, mas a civilização tupi. O que Mauss fez com os esquimós, eu fiz com os tupinambás”.18 Foi assim que ele assumiu uma tarefa que antropólogos consagrados como Alfred Métraux, estudioso dos tupinambás, consideravam impossível: um estudo abrangente da organização social dos tupi. O material histórico existente, constituído de relatos de viajantes europeus, mercenários e jesuítas, não parecia propiciar um conhecimento histórico integrado; mas, com imaginação sociológica, Florestan trabalhou criticamente a documentação e a sistematizou.19 Isso foi possível porque ele se empenhou em igual medida num esforço de construção teórica, revisando o debate etnológico do seu tempo20 e construindo conceitos como os de “organização social”21 e de “controle social”.22

A abordagem teórica tanto da dissertação quanto da tese foi estrutural-funcionalista. Nestes dois estudos, ele apreende o processo de reprodução incessante da tradição na ordem tribal, como um padrão de equilíbrio entre as dimensões da sociedade. Em A organização social dos tupinambá, ele tentou analisar como funcionava o sistema social em conjunto: a distribuição espacial, os grupos locais, a economia primitiva23, o sistema de parentesco, as categorias sociais, a organização política (o conselho de chefes) e a forma de educação.24 E, em A função social da guerra na sociedade Tupinambá, ele visou chegar a uma elaboração teórica própria sobre a solidariedade coletiva das sociedades tribais, que reconhecesse a guerra como um fenômeno social constitutivo da estruturação social e cultural desses povos, a ser estudada em sua situação concreta, e não como expressão de um estágio pré-civilizatório ou anomalia intermitente. Ele analisou como funcionava, na organização tribal dos tupi, a “tecnologia guerreira” – as armas, as expedições, os rituais guerreiros, as motivações e os objetivos da guerra, a forma de realização da contenda – e os “mecanismos de controle social” da guerra – como os ideais de formação da personalidade masculina, os ritos de sacrifício humano e as repercussões da guerra na estrutura social.

Como representativo desta fase etnológica, nossa coletânea traz Os Tupi e a reação tribal à conquista, um ensaio tardio, publicado em 1960.25 A primeira parte do texto é uma síntese competente do “sistema tribal de relações sociais” dos tupi, tal como estudado na dissertação de mestrado. Todavia, o objetivo aqui é outro: trata-se de explicar o padrão de reação tribal à conquista dos portugueses; dito de outro modo, Florestan quer entender por que os indígenas não conseguiram reagir satisfatoriamente à ação dos brancos e acabaram soçobrando à evolução dos acontecimentos. Ao contrário das leituras apressadas que grassam hoje – que reduzem de modo anacrônico o processo histórico a um signo redutor –, Florestan analisa como houve momentos diferentes no processo de contato, ocorrendo uma mudança na lógica da colonização – e, por conseguinte, uma alteração na relação do branco com o indígena – quando a agricultura foi adotada na colônia: “passamos, então, do período de tensões encobertas para a era do conflito social com os índios”, pois, a partir daí, “os alvos dos brancos só poderiam ser alcançados e satisfeitos pela expropriação territorial, pela escravidão e pela destribalização (…) O anseio de ‘submeter’ o indígena passou a ser o elemento central da ideologia dominante no mundo colonial lusitano”. Desta forma, encadeia-se um processo em que “tribos autônomas” passam a ser vistas e convertidas numa “camada social heteronômica” de uma sociedade estratificada de modo inter-étnico. Diante desta situação histórica, Florestan analisa as opções de reação indígena: reagir violentamente para manter a autonomia; submeter-se como aliado e escravo; ou preservar a autonomia migrando para fora do alcance dos brancos. Do ponto de vista do sociólogo, os indígenas estavam diante de dilemas. Ele mostra que o padrão tribal de organização, que era de caráter dispersivo por causa da forma de alianças e inimizades por laços de parentesco, impediu a resposta mais adequada, que seria a “evolução” para sistemas de solidariedade e cooperação supratribais. Essa limitação possibilitou o jogo de índios contra índios. Por isso, o aumento da pressão de dominação conduziu a um encurtamento das opções entre dois caminhos: submissão aniquiladora ou fuga no isolamento; mesmo que a última opção tenha garantido a preservação da herança biológica, social e cultural, ela teve um alto preço, porque os tupi tiveram que se adaptar, progressivamente, a regiões ecologicamente mais pobres.

Como será visto nos demais ensaios, e está expresso parcialmente no título do nosso livro, temos aqui uma forma de raciocínio típica de Florestan: ele começa pela situação histórico-social, interpretando as representações coletivas, as relações e interações sociais, as funções e o sistema estruturado – que conformam os padrões – e passa para uma análise tanto dos dilemas quanto das opções e oportunidades, que podem acarretar conservação ou mudança. Essas opções, sobretudo as de mudança social, nem sempre são compreendidas ou aproveitadas. Isso não quer dizer, contudo, que os atores não tenham consciência dos padrões, dilemas e opções. Uma prova disso está no forte discurso do líder indígena dos tupi do Maranhão, Momboré-uaçu (citado por Florestan), que argumenta contra a “aliança” com os franceses: encontramos aí uma lucidez sobre a situação dilemática, com uma clareza profética sobre o padrão histórico em curso e a tragédia que, mais uma vez, os acometeria.

Essa atenção com relação aos atores é muitas vezes esquecida quando se fala da obra de Florestan, porque é comum ressaltar os aspectos estruturais de seu pensamento. Contudo, como sinaliza José Sousa Martins, ele valorizava as histórias de vida como método de investigação sociológica.26 Encontramos exemplos disso em duas investigações de juventude em torno de uma liderança carismática negra e de um “bororo civilizado”.27 De um lado, em Contribuição para o estudo de um líder carismático (1951), ele reconstitui a vida e carreira do negro João de Camargo, um ex-cativo que se tornou uma liderança religiosa profética, fundando a Igreja Bom Jesus da Água Vermelha, em Sorocaba, São Paulo, caracterizada por práticas sincréticas que reuniam elementos católicos, espíritas, banto, gegê-nagô e musulmi. De outro lado, em Tiago Marques Aipobureu: um Bororo marginal (1945), ele analisa a trajetória do índio bororo Akirio Bororo Keggeu, educado por missionários salesianos desde pequeno, passando a se chamar “Tiago Marques Aipobureu”. Trata-se de um indígena com alto desempenho escolar que viveu na Europa, mas que quis retornar à vida entre os Bororo. Ele faz uma interpretação sociológica da experiência de homem marginal – isto é, de um indivíduo que viveu entre duas culturas sem estar integrado a nenhuma delas. Esse tipo “defronta-se com um problema: deve escolher entre padrões incompatíveis uma solução conveniente”. Os padrões novos entram em choque com emoções e sentimentos adquiridos, gerando um conflito afetivo, intelectual e prático. Assim, a vida de Tiago Marques é marcada por desajustamentos conflituosos com os bororos e com os brancos, o que gera uma desorganização da sua personalidade. Sinalizando a importância de se considerar “os efeitos dos contatos [dos índios] com os brancos do ponto de vista da organização de sua personalidade”, Florestan mostra como se deram as crises, de momento a momento. “Por ser um Bororo civilizado”, ele é rejeitado pelos dois grupos: “assim tornou-se solitário, solitário entre os seus e estranho aos estranhos”. Isso exige “uma saída conveniente”, um ajustamento por meio de “uma fórmula intermediária e suasória de solução de conflito”, que não tinha sido encontrada ainda pelo indígena. No meu entender, esse estudo tem um lugar peculiar na obra de Florestan, porque o problema da marginalidade surge aqui entre a questão do lugar do indígena no processo civilizatório e a questão sobre como a mudança social ocorre engajando, ao mesmo tempo, a sociedade, a cultura e a personalidade.

2. A construção de uma escola sociológica (1951-1964)

O intuito era (…) estabelecer uma relação orgânica com os vários centros de produção cultural. Não repetir, não imitar, não ser meramente reprodutivo, num sentido positivo, mas ter uma capacidade de criação autônoma, de elaboração criativa original.

A década de 1950 é, para Florestan, um momento de florescimento intelectual, que segue pari passu a institucionalização da USP. Ele vai se deslocando dos estudos folclóricos e etnológicos para a investigação da moderna sociedade brasileira. Se, de um lado, ele se aprofunda em pesquisas já esboçadas, como a dos fundamentos teóricos e metodológicos das ciências sociais, de outro, ele começa a fixar o horizonte em novos problemas sociológicos: o preconceito racial e a integração do negro na sociedade de classes; as ciências sociais e a sociologia diante dos dilemas do subdesenvolvimento; as formas de conservação e mudança no Brasil e na América Latina; e as novas dinâmicas do capitalismo e do empresariado, especialmente no contexto de industrialização do estado de São Paulo.

Em torno do dilema racial brasileiro

(…) o chamado problema do negro vem a ser o problema da viabilidade do Brasil como Nação.28

Florestan chegou à investigação sobre os negros e as relações raciais através das contingências da vida acadêmica. A problemática já havia sido tangenciada por ele (quando estudou a congada e os batuques, as representações coletivas sobre os negros e a vida do carismático João de Camargo), mas estava longe de se tornar uma agenda de estudo, até que Bastide o convidou para participar de um projeto coletivo sobre as relações raciais no início dos anos 1950. Esse projeto, arranjado por Alfred Métraux, era financiado pela UNESCO, fazendo parte de uma iniciativa internacional no pós-guerra de debate sobre racismo. Como estava escrevendo sua tese sobre os tupi e desejava continuar uma pesquisa sobre a aculturação dos sírios e libaneses em São Paulo29, ele o recusou de imediato, mas acabou aceitando o convite por causa da insistência de Bastide. Por essa via, surgiu um interesse científico e político que durou toda a vida. Ao lado da etnologia histórica sobre os tupi, Florestan considerou os estudos sociológicos sobre o negro como sua maior contribuição como pesquisador. Com uma diferença fundamental: com os tupi, ele fez um trabalho de scholar; com os negros, ele vinculou a pesquisa acadêmica com uma veia militante.

O projeto de estudo Raça e sociedade: o preconceito racial em São Paulo (1951)30, escrito por ele e Bastide, propôs investigar o preconceito racial: sua formação, a integração na sociedade, os meios de manifestação, os efeitos sociais, e a forma como são transformados ou perduram com a mudança social. Existiam diferenças de percepção entre os dois autores: Bastide, profundo conhecedor da cultura africana e imerso nas comunidades negras, preferia analisar os prós e os contras da forma brasileira de integração dos negros, ao passo que Florestan, que conviveu desde jovem com “companheiros de privações e misérias”, assumia uma posição mais militante de contestação. Apesar das diferenças, eles harmonizaram as hipóteses tendo por contraponto a tese de Donald Pierson, segundo o qual o preconceito no Brasil seria de classe, e não de raça. Ressalvando que o preconceito racial é um processo social que não pode ser substancializado31, eles propuseram que existe uma co-determinação entre raça e classe; e assumindo que as condutas interraciais flutuam numa complexidade de situações, eles afirmavam que esta seria a forma de exteriorização do preconceito no Brasil, e não a prova de sua inexistência. Deste modo, eles contestavam, de forma precoce, a ideia de democracia racial brasileira, pressuposta pela própria proposta da UNESCO.

Florestan reiterou em vários momentos o caráter inovador da metodologia posta em prática. Além de trabalhar com documentos pessoais, estudos de caso, questionários, observação direta de situações, entrevistas formais e informais, eles realizaram reuniões com militantes, intelectuais e mulheres, o que lhes permitiu fazer uma observação das dinâmicas de grupo, com uma participação dos sujeitos investigados na construção do objeto.32 Além disso, a abordagem era interdisciplinar, articulando as dimensões macro- e microssocial e as relações recíprocas entre personalidade, cultura, economia e sociedade. Dito em boa fórmula, tratava-se de estudar “o complexo ‘cadinho de relações raciais’” considerando-o como “um fato total”.33 Bem ao estilo de Florestan, o desafio era combinar a análise estrutural-funcional com a investigação histórica. Assim, diferentemente de uma pesquisa de “relações raciais” à moda norte-americana, como uma especialidade entre outras, eles compreenderam a dinâmica racial como parte integrante de um processo de formação social-histórica. Isto é, tratava-se de investigar todos os aspectos da formação nacional sob o eixo da questão racial, proporcionando uma visão de conjunto sobre a sociedade brasileira moderna, diferente da oficialmente reproduzida no país.

Florestan continuará a refletir sobre o tema ao longo da vida, mas quase todos os objetivos já estão postos no projeto inicial: (a) identificar a ideologia racial da sociedade escravocrata, voltada à “acomodação” interracial: a origem, a difusão e a função das representações coletivas sobre o negro, o mulato e os descendentes; a forma como a ideologia se manifesta; e os padrões de contato e ajustamentos recíprocos entre negros e brancos; (b) reconstruir como se deram as flutuações da situação social do negro com a passagem da ordem escravocrata à competitiva, explicando as causas da perpetuação da ideologia; (c) investigar os efeitos do preconceito racial nos ajustamentos e no controle das tensões interraciais; (d) acompanhar a formação dos movimentos sociais negros e sua atuação de contestação; (e) pesquisar as formas de expressão de preconceitos nos diversos meios e situações, incluindo seus efeitos psíquicos, tanto na incorporação subjetiva de sentimentos, ideias e ideais, quanto na função psíquica adquirida (autoavaliações, autojustificações, atitudes etnocêntricas, autoritarismo, submissão etc.); (f) identificar as condições de solapamento do racismo sob os efeitos da modernização (urbanização, industrialização, secularização e ascensão dos negros na ordem competitiva); e (g) pesquisar os modos pelos quais o sistema tradicional de relações raciais se reintegra na nova sociedade sob outras formas e/ou funções.

Os resultados da pesquisa da UNESCO foram publicados em Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo (1955), com capítulos de Florestan – “Do escravo ao cidadão”, “Cor e estrutura social em mudança” e “A luta contra o preconceito de cor” – e de Bastide – “Introdução”, “Manifestações do preconceito de cor” e “Efeito do preconceito de cor”.34 Em torno desta pesquisa, Florestan vai escrever vários artigos entre 1942 e 1969, que foram compilados em O negro no mundo dos brancos (1972); e um ensaio esclarecedor após 25 anos, em que atualiza a análise dos movimentos negros em função das transformações da sociedade brasileira.35 Nos últimos anos, retornará algumas vezes ao tema como tribuno, sempre atento às mudanças no dilema racial, como nos artigos reunidos em O significado do protesto negro (1989). Dentre todas essas produções, precisamos destacar, ainda, sua obra principal, elaborada na prova para o concurso da cadeira de Sociologia I da USP, A integração do negro na sociedade de classes: ensaio de interpretação sociológica (1965). Escrita de janeiro de 1963 a abril de 1964, o mês de conclusão da tese coincidiu com o golpe civil-militar.

Em A integração do negro na sociedade de classes, Florestan aprofunda e sistematiza tudo aquilo que estava em germe no projeto inicial. No primeiro volume, que abrange o período de 1880 a 1930, ele trata do “legado da ‘raça branca'”, acompanhando a passagem ambígua da ordem escravocrata para a sociedade de classes, mostrando como a modernização ocorreu sem que houvesse uma organização social e política de integração dos negros formalmente livres, expostos então à concorrência dos imigrantes europeus. Essa leitura macrossocial se articula com uma análise dos efeitos da desorganização e da pauperização sobre a personalidade. Na conjugação entre ambas, temos o esforço de desconstruir o “mito da ‘democracia racial’” e o seu correlato, os “padrões tradicionalistas de relações raciais”. No segundo volume, ele estuda o movimento social negro de São Paulo entre 1925 e 1948, buscando entender como se deu a reivindicação da “Segunda Abolição” a partir de uma “ideologia de desmascaramento social”. Está aí a primeira experiência de rompimento com os padrões tradicionalistas de acomodação passiva. A análise do “meio negro” será retomada várias vezes nos estudos posteriores, pois Florestan estará constantemente preocupado em articular a compreensão dos agentes negros orientados para a transformação com uma análise crítica das oportunidades de mudança. Neste sentido, ele se dedica ainda, em “A integração do negro…”, a uma interpretação das “impulsões igualitárias” da nova sociedade de 1940 a 1960 sob os efeitos da segundo revolução industrial, bem como ao modo como se dá o “problema negro” em 1951, analisando o padrão de “reação societária às tensões raciais” e os “dilemas raciais” enfrentados.

Nossa coletânea da BBLA traz, como representativo deste universo temático, a conclusão de O negro no mundo dos brancos, intitulada Aspectos políticos do dilema racial brasileiro (1965/1969).36 Tendo sido escrito para um livro francês em homenagem a Roger Bastide, esse é um dos seus “ensaios mais sofridos e sinceros”.37 Por ser um texto da maturidade, a análise da questão racial está enquadrada na problemática do capitalismo dependente (que, como veremos, foi elaborada a partir de meados de 1960). Podemos ler a interpretação, de novo, através da relação entre padrões, dilemas e opções.

No Brasil, a ordem social tem um padrão de reprodução e mudança que combina o arcaico e o moderno, associado a padrões de reação interracial. A ordem moderna, composta por classes sociais, Estado-Nacional e cidadania igualitária, avança em articulação com o modelo colonial de apropriação econômica, patrimonialismo político e poder social oligárquico. Essa situação nos põe diante de um dilema racial, que consiste no descompasso entre normas ideais (que são democráticas) e comportamento efetivo (que são desigualitários), gerando um “conflito axiológico” escamoteado pela ideologia tradicional. A reprodução de um padrão de poder está na origem das desigualdades de classe e raça. O dilema se enraíza, como vimos, na passagem ambígua para a sociedade de classes, que não eliminou a estrutura colonial da economia, da cultura e da sociedade, incluindo “o padrão vigente de relações raciais assimétricas”. Fazendo um contraste entre os países europeus, os Estados Unidos e a América Latina, ele entende que nosso “ponto de partida colonial” não foi superado pelos movimentos emancipatórios, pois esses últimos adquiriram uma função predominantemente conservadora. Assim, “a descolonização ainda está em processo. O que desapareceu historicamente – o ‘mundo colonial’ – subsiste institucional e funcionalmente, ainda que de forma variável e desigual (…)”. Aqui, o ethos democrático só funciona no interior de uma ordem civil oligárquica, sem ser universalizado para toda a sociedade. Isso se traduz, para ele, em um “padrão rígido e monolítico de dominação autocrática”, com pouco espaço para a crítica social, a expressão dos conflitos e o protesto político de grupos não-conformistas e divergentes. Nesse sentido, o “mito da democracia racial” cumpriria o papel de autojustificação, impedindo a democratização efetiva, transformando em “justas”, “necessárias”, “naturais” ou “democráticas” as diversas desigualdades e mesmo crueldades. Existiriam distorções crônicas na percepção e explicação da realidade, assumidas pelos próprios oprimidos, que fazem com que os dilemas sejam projetados em “acomodações anestesiadoras”. E quando grupos saem da letargia e se tornam divergentes, a autocracia burguesa se explicita com uma repressão violenta.

Isso expressa muito do desencantamento de Florestan num momento em que proliferavam ditaduras pelo continente. Ele chega a afirmar, de forma contestável, que as estruturas do capitalismo dependente e subdesenvolvido operam de modo repressivo e que, por isso, “(…) o controle político conservador não admite alternativa — ou a perpetuação autocrática da ordem ou a revolução contra a ordem”. E é assim que ele passa da análise dos padrões e dilemas para as opções, de forma a esclarecer a decisão entre as possibilidades históricas. Antes de tudo, encontramos a opção realizada pelos movimentos do “meio social negro”, analisada em “A integração do negro…” e retomada aqui. Liberando-se da tutela do branco e da dominação racial, esse movimento protestava a favor da realização autêntica da ordem liberal e democrática, reivindicando “verdadeiras estruturas nacionais de poder”, isto é, mais integração racial, econômica, cultural, social e política. Para tanto, realizava um desmascaramento que abriu uma visão negra da história brasileira, denunciando os mecanismos de exclusão, preconceito e discriminação. Mas, para Florestan, essa resposta seria insuficiente porque os manteria dentro do dilema racial, a saber, por ser moderada politicamente, continuaria a sofrer uma pressão assimiladora à ordem social dos brancos, um “embranquecimento”. Em outro texto, encontramos uma boa formulação para o que ele está a pensar: os negros “tiveram que sair de sua pele, simulando a condição humano-padrão do ‘mundo dos brancos’”.38 Por ter sido uma proposta de revolução racial de caráter democrático e dentro da ordem, ela estaria fadada ao fracasso. Seria necessário buscar outro tipo de negação e oposição, ou seja, outra opção.

É difícil entender muitas vezes o que ele está dizendo sobre o que é essa outra opção mais radical, dado o caráter alusivo que sua escrita adquire nessas horas. Certamente está a professar suas crenças socialistas de caráter revolucionário, às quais aderiu explicitamente após o golpe de 1964. Bem no espírito da época, Florestan mensura a força dos movimentos sociais em função de um caráter mais ou menos disruptivo: tratava-se de radicalizar o conflito racial em fins coletivos contra o “mundo dos brancos”; em alguns fraseados, chega a assimilar os negros e multatos aos portadores da emancipação (ocupando o lugar do proletariado). Apesar de algumas coisas estarem datadas, a análise dos dilemas é bem válida. De fato, a luta dos movimentos estava fragilizada nos anos 1930 e 1940 pela formação incipiente do meio negro e pela dificuldade de visibilidade pública e influência institucional numa sociedade estratificada social e racialmente; e, de fato também, existiu uma efetiva tendência individualista, utilitarista e pragmática de usar as mesmas armas dos oponentes para se elevar social, econômica, sociocultural e politicamente, coisa que é ao mesmo tempo eficaz e contestável: é eficaz porque, na falta de opções coletivas, a tática individual da “infiltração” fortalece a posição socioeconômica e institucional do meio negro; mas é contestável porque aprisiona num dilema que solapa a dimensão coletiva: tende-se a uma divisão entre, de um lado, um individualismo desconectado com as massas, no qual trânsfugas se veem obrigados a serem “superbrancos” para “provar” seu lugar dentro da ordem herdada; e, de outro, a ocorrência de cisões internas do protesto negro por causa de facciosismos, escapismos, oportunismos ou mercenarismos. Seria fundamental, para ele, recusar os padrões autocráticos: o negro e o mulato precisam tornar-se o antibranco, para encarnarem o mais puro radicalismo democrático e mostrar aos brancos o verdadeiro sentido da revolução democrática da personalidade, da sociedade e da cultura”. Esta frase adquire um sentido válido caso se descarte uma conotação racial ao termo “antibranco” e se compreenda “branco” no sentido de “herdeiros e reprodutores da dominação colonial, desigualitária, racista e autoritária”. Neste sentido, além de associar o movimento negro à causa democrática, ele estaria afirmando, com certa precocidade, a necessidade de superação de uma visão limitada à integração nas instituições modernas, a fim de evitar a armadilha do “embranquecimento” – agora num sentido civilizacional –, o que demanda resgatar e revalorizar a negritude e a diáspora africana enquanto portadores de propostas civilizatórias – uma tendência que emergiu a partir dos anos 1980 e que se tornou muito forte na última década com a crítica “decolonial”. De todo modo, vale lembrar a necessidade, por ele explicitada, de “quebraram-se [as] ‘unidades’ fictícias, tanto no ‘meio negro’, quando no ‘meio branco’”, pois, “quanto mais diferenciada for a gama de posições que o negro possa tomar, maior será o impacto dos novos movimentos de ‘protesto negro’”.

Mais do que em outros lugares de sua obra, é a respeito do “problema do negro” que Florestan apresenta uma visão construtiva de processo civilizatório por onde poderia aflorar uma brasilidade democrática. Ao seu ver, Brasil e Estados Unidos teriam passado pelo mesmo processo de uma integração excludente das heranças culturais. Mesmo que eu não considere o paralelismo conveniente, porque a integração norte-americana tem um caráter sectarista e polarizador, ao contrário do Brasil, podemos aceitar a ideia geral de que pouco aproveitamos a potência de uma integração nacional por multiplicação. O abrasileiramento se confundiu, segundo ele, com um processo sistemático de branqueamento, voltada à socialização dos indivíduos através de “uma visão pobre e monolítica da dinâmica da economia, da sociedade e da cultura”.39 A riqueza do país, propiciada pela interação construtiva, a conciliação e a fusão entre civilizações, etnias e culturas, permaneceu para Florestan no nível das comunidades populares, porque eram pouco integradas na nação: “a herança cultural e as formas sociais correspondentes de associação [nessas comunidades] respondiam à necessidade de autoafirmação e de autorrealização de um modo autônomo. O isolamento quebrou a inevitabilidade de uma autoafirmação negadora e destrutiva”.40 Contrário a uma concepção tacanha, estreita, pobre e excludente de nação, ele acena para “um conceito universalista, aberto e humanístico de brasilidade”. Escutemo-lo com atenção:

A brasilidade, que herdamos do passado escravocrata e das primeiras experiências de universalização do trabalho livre, é demasiado estreita e pobre para fazer face aos dilemas humanos e políticos de uma sociedade racial e culturalmente heterogênea. Temos de aprender a não expurgar os diferentes grupos raciais e culturais do que eles podem levar criadoramente ao processo de fusão e unificação, para que se atinja um padrão de brasilidade autenticamente pluralista, plástico e revolucionário (…) O que pretendemos, para o nosso futuro imediato e remoto, não é a fixação imobilista dos dois polos, separando o negro, de um lado, e o mundo dos brancos, de que ele participa marginalmente, de outro; mas que o mundo dos brancos dilua-se e desapareça, para incorporar, em sua plenitude, todas as fronteiras do humano, que hoje apenas coexistem ‘mecanicamente’ dentro da sociedade brasileira.41

Uma sociologia universalista, porque enraizada

Tendo em vista sua presença constante ao longo da obra, o “problema do negro” antecipou algumas facetas das fases ulteriores. Precisamos retornar então ao percurso da segunda fase, desde meados de 1950 até 1964. Nesse momento, Florestan esteve empenhado em outras frentes paralelas, que acabaram por fazê-lo ser o fundador de uma escola sociológica.42

Ele continuou desenvolvendo as investigações em teoria sociológica e metodologia das ciências sociais, elaborando questões típicas de uma “sociologia geral ou sistemática”: (a) o que é a sociologia; (b) qual é o objeto sociológico e como se dá seu método de investigação; (c) qual a relação entre ciência e civilização; (d) qual é o padrão geral do trabalho científico e sua relação com o ensino, a pesquisa e a sociedade; (e) quais são as tarefas e os papéis intelectuais da sociologia; (f) quais são as modalidades de explicação sociológica; (g) quais os aportes entre psicanálise e sociologia; (h) quais são as formas da vida social; (i) como analisar sociologicamente as classes sociais etc. Além de artigos e ensaios43, ele escreveu um livro de teoria sociológica sistemática (coisa rara no Brasil): trata-se do Fundamentos empíricos da explicação sociológica (1959), onde apresentou e sistematizou as formas de explicação dos clássicos (Marx, Weber e Durkheim), com um esforço teórico-social que José de Souza Martins comparou, com certo exagero, ao O sistema social, de Talcott Parsons.44

Todas essas questões de sociologia geral e sistemática podem ser objeto de reflexão abstrata, a princípio realizável em qualquer lugar do mundo. Não há dúvidas, a sociologia de Florestan Fernandes tem uma pretensão de universalismo;ao mesmo tempo, ela é conscientemente situada e orientada. Por isso, são abundantes os ensaios sobre a sociologia considerando-a em função dos seus enraizamentos em São Paulo, no Brasil e na América Latina. Ele aborda os desenvolvimentos histórico-sociais da sociologia; os desafios em face aos dilemas do subdesenvolvimento; e o padrão, significado, papel e lugar das ciências sociais em função dos contextos e situações. Esses estudos foram reunidos em livros como: A sociologia numa era de revolução social (1962 e 1976) e A sociologia no Brasil: contribuição para o estudo de sua formação e desenvolvimento (1977).

As investigações universalistas, porque enraizadas, decorrem em grande parte da sua extraordinária capacidade de trabalho individual. Mas foi necessário mais do que isso para formar uma “escola”. Depois que assumiu a cátedra de Sociologia I, em 1954, ele congregou em torno de si colaboradores que marcam uma geração fecunda da sociologia brasileira, com nomes como Maria Isaura Pereira de Queiroz, Fernando Henrique Cardoso, Marialice Foracchi, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Octavio Ianni, Gabriel Cohn, José de Souza Martins, Luiz Pereira entre outros. Em que sentido podemos dizer que formou uma escola sociológica? Essa é uma questão importante porque o próprio Florestan recusava a designação, visto ser adverso à ideia de um grupo fechado e monolítico. Prefiro acompanhar de perto, contudo, a percepção de seu antigo colaborador, José de Souza Martins. Podemos delinear algumas características do grupo liderado por Florestan. Antes de tudo, ele não é fechado na sociologia como disciplina científica, ao contrário, o próprio Florestan foi um exemplo de que os sociólogos precisam articular constantemente com os demais saberes (a etnologia, a história, a economia, a filosofia, a geografia etc.) para lidar com os problemas que animam a sociologia. Além disso, não devemos entender que havia uma unanimidade teórica ou doutrinária. A ideia de escola é muito melhor caracterizada pelos seguintes atributos:

a qualidade de definição teórica e interpretativa dos problemas de investigação, de liberdade de opção entre possibilidades teóricas, de inovação temática, de competência no lidar conjuntamente com a diversidade de orientações metodológicas da sociologia; (…) pelo rigor científico, pela pertinência das indagações, pela criatividade, pela capacidade de criar sem infraestrutura, sem apoio e sem dinheiro. Marcada muito mais pela capacidade de fazer pesquisa de vanguarda, de apontar os temas que reclamavam problematização e interpretação, de associar o ensino à pesquisa, de formar quadros. (…) uma sociologia enraizada, apoiada na própria criatividade teórica do grupo e na sua própria pesquisa metodológica (…) o projeto era o de consolidar uma instituição acadêmica de alto rigor científico e, ao mesmo tempo, fazer uma ciência comprometida com as possibilidades de transformação da sociedade brasileira, de modo a superar seus muitos componentes oriundos da herança colonial, responsáveis pelo atraso social e político, pelas injustiças, pela ignorância, pela pobreza.45

Esse retrato impressiona ainda mais quando ele opõe a sociologia enraizada dessa escola a uma “sociologia colonizada e de importação” que predominou após a desintegração do grupo sob os efeitos das medidas de exceção da ditadura militar.46 Como Martins diz, a sociologia não era, para Florestan, “um jogo de armar”, pois seus conceitos estavam articulados a um método, em que a explicação sociológica se encontra “enraizada nas peculiaridades históricas da sociedade brasileira”, sendo, portanto, “uma sociologia de envergadura clássica, fundada no real e histórico, e não uma sociologia colonizada, baseada na importação de esquemas e conceitos abstratos”; em outras palavras, não era uma “sociologia desenraizada de suas referências sociais e históricas e transplantada como mero arcabouço conceitual para sociedades cujas singularidades históricas são outras. E que esconde suas debilidades e seu desenraizamento no ensaísmo quase sempre fundado num só autor da moda ou num tema da moda”.47 Nos tempos atuais, marcados por apequenamentos especializantes e “viradas” teóricas nauseantes(sendo a última, por ironia, “decolonizadora”), vale citar o desfecho dessas ideias feito numa luminosa nota de rodapé:

A crítica do pensamento sociológico colonizado e o reencontro da sociologia brasileira com a sociedade brasileira, no meu modo de ver, passa necessariamente pela sociologia de Florestan Fernandes e do grupo de pesquisadores que se formou nessa orientação teórica. Passa, também, pela multidisciplinaridade das ciências sociais, como já ocorria na tradição firmada pela missão universitária francesa da USP. Isso significa sociólogos menos sociologistas e mais familiarizados com a antropologia, a história, a filosofia, a geografia e outras disciplinas afins, e dotados de uma visão etnográfica de sua própria sociedade.48

Uma sociologia da modernização capitalista e da mudança social

Se acabei de abordar o modo particular de sociologia da “escola paulista”, falta ainda tratar dos problemas de investigação que congregaram os pesquisadores. Podemos resumi-los sob um eixo principal: o da análise da mudança social em condições de subdesenvolvimento brasileiro, com uma atenção especial ao processo de modernização capitalista no estado de São Paulo.

Entre 1946 e 1955, Florestan publicou textos sobre a formação e o desenvolvimento de São Paulo (reunidos em Mudanças sociais no Brasil, 1960). Eles fazem parte de uma preocupação constante – que será compartilhada pelo grupo de pesquisa da USP – a respeito do que seria a singularidade da formação paulistana, sobretudo seu caráter “pioneiro” no processo de industrialização. Por sua vez, no início de 1960, ele se dedicou a uma análise dos padrões e ritmos de mudança no Brasil e na América Latina. O interesse está em identificar um padrão de “resistência à mudança social”, que permite compreender, mais uma vez, os dilemas e as opções em torno do desenvolvimento.49 Essas indagações se atrelam a um papel político dos intelectuais, no qual a sociologia teria interesse prático por ser capaz de estabelecer parâmetros para uma intervenção racional sobre a realidade a fim de mudá-la de forma intencional. Muito influenciado pelo funcionalismo e por Mannheim, ele desenvolve discussões teóricas sobre mudança social, a fim de construir um quadro de análise das atitudes, motivações e mentalidades que têm efeitos positivos ou negativos sobre o desenvolvimento. Identificando os padrões desfavoráveis ao desenvolvimento e conhecendo os meios de alterá-los ou eliminá-los, seria possível um controle político dos processos: “trata-se de intervir deliberadamente em fatores psico-sociais, que operam com regularidade, interferindo na configuração do padrão e na determinação do ritmo do desenvolvimento social”.50 Temos aqui um certo otimismo sociológico, mas ele não é ingênuo, porque Florestan afirma que o dilema social brasileiro seria caracterizado por uma “resistência residual ultra-intensa à mudança social, que assume proporções e consequências sociopáticas”.51

Em 1960, ele experimentou intensamente o que seria atuar como intelectual na busca de uma influência política racionalizadora sobre o curso das coisas. Foi quando liderou a Campanha em Defesa da Escola Pública, percorrendo o Brasil para participar de conferências, debates e palestras. Dessa atuação como intelectual público resultaram textos sobre o problema educacional brasileiro, reunidos em Educação e sociedade no Brasil (1966). A educação aparece aqui como problema privilegiado para uma sociologia aplicada.52 Identificando o dilema educacional do Brasil como possuindo dois polos – instituições deficientes de ensino do ponto de vista do interesse social e meios de intervenção insuficientes para fazer face aos desafios –, ele expõe as formas pelas quais os cientistas sociais poderiam cooperar na mudança, atuando na escolha racional dos meios e dos fins e no controle racional das combinações possíveis entre ambos. Esse é um caso especial em que ele tenta convencer os atores de que a sociologia pode promover uma mentalidade moderna e uma ação democrática para a decisão política sobre o rumo das coisas.

Todavia, é num outro domínio de interesses que se forma a agenda que deu contornos singulares a uma “escola sociológica”. Estou falando do Projeto “Economia e Sociedade no Brasil”.53 Fernando Henrique Cardoso, jovem professor que foi um dos seus principais pupilos, conseguiu criar junto com Florestan o Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit) e em 1962 recebeu a dotação da Confederação Nacional da Indústria para formar uma ampla agenda de pesquisa na cátedra de Sociologia I sobre a dinâmica do capitalismo brasileiro, especialmente o processo de industrialização em São Paulo. O projeto possuía quatro eixos: a mentalidade do empresariado industrial, sob responsabilidade de Fernando Henrique Cardoso; o papel do Estado no desenvolvimento econômico, sob responsabilidade de Octavio Ianni; a mobilização do trabalho na transição socioeconômica, ao encargo de Maria Sylvia de Carvalho Franco e Marialice Foracchi; e o processo de urbanização na relação com o crescimento econômico, no qual Florestan trabalharia junto com Paul Singer.54 O projeto consistiu numa virada significativa ao dar condições institucionais e um eixo de preocupação teórica comum. Formou-se uma espécie de vanguarda engajada na construção de uma teorização que fosse relevante para os países subdesenvolvidos em transição social. Enquanto Paul Singer conduziu toda a pesquisa sobre a urbanização, Florestan se deteve nos temas teóricos mais amplos, como a natureza do capitalismo dependente nas sociedades subdesenvolvidas. Se ele já tinha se dedicado a temas de “sociologia econômica”, como um estudo sobre o comércio exterior do Brasil (feito para a cátedra de Paul Hugon) e um ensaio sobre os impedimentos estruturais e sociodinâmicos para a industrialização brasileira(1959)55, a focalização dos problemas de pesquisa se tornou agora mais concentrada e coletivamente trabalhada em torno de uma questão: quais são as condições de desenvolvimento da sociedade de classes no Brasil e na América Latina? Tratava-se de fazer algo como uma “teoria do desenvolvimento econômico nas nações capitalistas dependentes”.56 A partir de então, a atividade intelectual de Florestan se concentrou exatamente nesse ponto.

Mas, com o golpe civil-militar de 1964, as condições mudaram bastante: “a América Latina começava a ser explorada como campo de investigação quando o nosso grupo foi fragmentado. Já dispúnhamos de uma visão muito clara do que o cientista social deve fazer na situação brasileira, latino-americana ou de países subdesenvolvidos; estudar as condições intrínsecas desses países”.57 Por isso, o caráter coletivo da pesquisa se esfacelou rapidamente e cada um teve que continuar, de seu modo e em suas condições, as preocupações que os animavam. Do lado de Florestan, ele foi passando dos temas da “urbanização” e do “crescimento econômico”, presentes no projeto “Economia e Sociedade no Brasil”, para uma análise mais ampla sobre o capitalismo dependente e a revolução burguesa no Brasil. Iniciava-se então uma nova fase, professadamente marxista, aquela pela qual sua obra será mais reconhecida.

3. A maturidade em crise (1964-1980): capitalismo dependente, revolução burguesa e militância socialista

Após o golpe, Florestan chegou a se manter no exercício das suas funções na cátedra de Sociologia I. Mas em 1969 se completa uma ruptura de trajetória iniciada em 1964, quando ele é aposentado compulsoriamente. Como outros da sua geração, foi atuar no exílio. Foi professor na Universidade de Toronto, no Canadá, e professor visitante da Universidade de Yale. Entre 1968 e 1969, a nova trajetória é, em igual medida, uma ruptura intelectual. As problemáticas do projeto “Economia e Sociedade no Brasil” continuarão a ser o foco da atenção. Todavia, ele revisa as referências teóricas, elaborando uma interpretação diferente do Brasil e da América Latina: do ponto de vista teórico, ele se tornará cada vez mais marxista na identificação dos padrões e dilemas; e, do ponto de vista prático, um certo pessimismo vai torná-lo bem mais radical nas opções políticas.

Muita coisa muda na postura e nos textos. Sem perder o rigor analítico, a faceta do militante emerge com força, englobando aquela do acadêmico. Como ele diz, a raiva com a violência ditatorial e o sentimento de impotência o conduziram para uma polarização, colocando o militante em primeiro plano. Vem à tona a figura do “Florestan Fernandes, cientista e militante”, com a qual estamos familiarizados. Desde os tempos em que predominava a análise funcionalista, ele tinha uma preocupação de articular a teoria, a empiria e a prática; como diz Antonio Candido, “(…) ele foi o primeiro e até hoje o maior praticante no Brasil desse tipo de ciência sociológica, que é ao mesmo tempo arsenal da práxis, fazendo o conhecimento deslizar para a crítica da sociedade e a teoria da sua transformação”.58 Como vimos, ele fazia essa articulação, até então, com uma orientação funcionalista e mannheimiana, que desembocava em um pragmatismo político, de caráter reformista; agora, ele passa a se apresentar como marxista e socialista, com orientação revolucionária em confronto aberto com as classes dominantes. Chegou ao ponto de se autodeclarar, de forma injusta consigo mesmo, como “marxista-leninista”; e, portando sua nova identidade, organiza livros sobre Lênin (em 1978) e Marx e Engels (em 1989), contendo longos ensaios introdutórios, altamente competentes, de sua autoria.59

Entre 1965 e 1975, Florestan vai se metamorfoseando num teórico do capitalismo dependente e da revolução burguesa no Brasil e na América Latina. Em sua estadia na Universidade de Columbia em 1965, ele se empenhou em construir um quadro de interpretação do capitalismo e das sociedades de classes no Brasil. Conforme avançava, tornou-se dominante a análise da condição de dependência no interior do capitalismo mundial. Em meio a isso, ele escreve ensaios publicados em coletâneas como Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1968)60 e Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (1973).61 Nos dois livros, ele se envereda nos primeiros esforços de análise dos padrões de dominação e de mudança das sociedades de classes nos países subdesenvolvidos, expondo como se dão os “dilemas da revolução burguesa” no capitalismo dependente.62

Esse movimento reflexivo vai se consumar na obra maior: A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (1975).63 Esse livro é um anfíbio teórico. Originadas num curso lecionado na USP e escritas em 1966, as duas primeiras partes – “As origens da revolução burguesa” e “A formação da ordem social competitiva (fragmento)” – interpretam o problema da “revolução burguesa” e da formação de ordem social competitiva dentro de um quadro analítico ao modo de Max Weber e Karl Mannheim, ao passo que a terceira parte – “Revolução burguesa e capitalismo dependente” –, escrita em 1973, faz uma interpretação marxista da nossa impossibilidade de uma revolução burguesa nacional-democrática (cap. 5), reconstruindo as etapas do capitalismo dependente em função do desenvolvimento do capitalismo mundial (cap.6), até chegar ao ápice do “modelo autocrático-burguês” na era do capitalismo monopolista (cap.7). Segundo Florestan, “o capitalismo dependente é, por sua natureza e em geral, um capitalismo difícil, o qual deixa apenas poucas alternativas às burguesias que lhe servem, a um tempo, de parteiras e amas-secas”.64 Por isso, essa burguesia não cumpre o papel de ator revolucionário que constrói um moderno Estado-nacional; por sua origem e dinâmica, ela conjuga dialeticamente o arcaico e o moderno e se ocupa com uma existência que está associada à continuidade da dependência nacional sob um domínio imperialista.

Nossa coletânea apresenta alguns ensaios representativos deste período, que abrangem tanto a interpretação sociológica da mudança social no Brasil quanto uma reflexão sobre os processos políticos na América Latina.

Dilemas da mudança social no capitalismo dependente

Gabriel Cohn selecionou para esta antologia três ensaios da virada crítica de Florestan, dois deles publicados na segunda parte de Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1969), e o terceiro, na coletânea Circuito Fechado (1976).

O primeiro, A dinâmica da mudança sociocultural no Brasil, foi escrito em 1965 quando estava no Institute of Latin American Studies, da Universidade de Colúmbia. Foi sua primeira tentativa de fundamentação dos fatores políticos intrínsecos à mudança social no capitalismo brasileiro. Sendo um dos últimos escritos em linguagem funcionalista, Florestan realiza uma interpretação sistemática que impressiona, chegando a um nível de elaboração conceitual que não deixa de lembrar um autor como Talcott Parsons ou Jürgen Habermas.

O objetivo está em apresentar um sistema de referência para analisar o “complexo e heterogêneo quadro histórico-social” da mudança social brasileira. Em termos socioculturais, ele identifica uma tensão estrutural e dinamicamente vinculada ao processo de expansão da civilização ocidental. A questão principal por trás da análise é: por que influências conservantistas e, pior ainda, irracionalistas, se mantiveram tão fortes, a ponto de neutralizar as influências inovadoras e racionalizadoras na ação política?

Florestan mostra como o processo de transplantação do padrão ocidental se deu e foi atualizado no novo mundo. Ele foi marcado por um dilema: o contraste entre os modelos ideais de organização da personalidade, da cultura e da sociedade (as condições previstas e desejadas) e as formas reais (as condições efetivas). Tal fato gerou mecanismos adaptativos de “acomodação eficaz”, através dos quais houve uma diferença, sempre reposta, entre a vigência formal e a eficácia material. Sendo marcado por uma assincronia entre as escalas e tempos históricos, o Brasil conformou um padrão intermediário entre a reprodução e a inovação. A distância entre ideal e real canalizou as ações inconformistas para uma crítica que objetivava a absorção mais autêntica do progresso oriundo de centros culturais supervalorizados. Assumindo que as sociedades diferenciadas funcionalmente dão uma centralidade para a política, Florestan mostra que nossa sociedade subdesenvolvida não encontra atores sociais aptos a fazer as escolhas e realizações que lhes cabem historicamente, pois são carentes de horizonte comum de ação. Por isso, nossa história é marcada por “perdas irrecuperáveis diante de alternativas socialmente construtivas e obscurecimento da consciência social do futuro”. Caímos num “ponto morto de desequilíbrio”, que perpetua o desajustamento estrutural e os dilemas próprios a esse padrão de mudança. Ele toca assim no problema da “revolução burguesa” no Brasil, que é um “processo extremamente lento, descontínuo e convulsivo”. Uma vez que a sociedade se modernizou pela ação de uma burguesia que responde às pressões externas através de inovações ajustadas aos padrões coloniais, conformou-se uma polarização entre fatores arcaizantes e modernizadores, de modo que o “universo sociocultural” tende sempre a neutralizar as influências inovadoras ou a reduzir seus impactos. Tratam-se de “grupos pouco aptos a entender e a manipular as exigências da situação a curto e a longo prazo”. Consequentemente, vivencia-se uma falta de controle político adequado, o que conduz não apenas a um aumento da desigualdade, dos privilégios e da concentração de renda e poder por meio da modernização, como também às emergências intermitentes de irrupções sociais e políticas.

Escrevendo logo após o golpe, Florestan está preocupado em entender o cenário político, que se caracterizava, para ele, pela revelação de uma “dominação autocrática burguesa” sem máscaras. É interessante notar, a esse respeito, como analisa as ações conformistas no cenário subdesenvolvido. O conformismo se imporia, de forma prática, ao se converter em “meio para outros fins, ao invés de ser uma resposta normal a certas condições de convivência social”. O tradicionalismo se mostraria agora desprovido de conteúdo e de sentido e, por isso, só se manteria como “expediente político de alcance limitado”, tendo um enorme custo social e riscos decorrentes das tensões desencadeadas. As inovações são repelidas irracionalmente pelo comportamento conformista (que podemos chamar de “tradicionalista” ou “conservador”), cuja função é inibir, represar e bloquear as “tendências de mudança social espontânea profundamente vinculadas à nova estrutura social”. Este bloqueio ocorre por meio de uma degradação dos efeitos da igualdade jurídica; uma ausência da livre competição fora da economia; uma pressão ultraegoística e obscurantista sobre os grupos inovadores; e a proscrição do “conflito como mecanismo de acomodação de interesses e de relação intragrupal”. Chega-se até mesmo a ideologizar “as questões mais neutras do ponto de vista técnico”. Ao envenenar o espírito dos agentes, dificulta-se o entendimento e o enfrentamento das mudanças, cria-se uma predisposição para “a desconfiança, a insegurança e o temor pânico de perder o controle das inovações”, e se fornece uma “base psicossocial de atitudes e comportamentos especificamente antissociais, como o solapamento sistemático de empreendimentos de significação nacional e a resistência sociopática à mudança”. Com a propagação multiplicadora de erros, tem-se como resultado uma circularidade dos efeitos irracionais. Contrário a esse circuito fechado, que nos faz pensar de imediato na trajetória recente do Brasil do século XXI, seria necessário encontrar uma forma de correlacionar positivamente as técnicas, os valores e os objetivos sociais em um processo de transformação estrutural e institucional que gereum “ego-envolvimento do querer humano na existência e no destino das instituições”. Para tanto, seria preciso retirar o controle político da mudança social das mãos do conservadorismo, que tem interesse numa estabilidade social a todo o custo, fazendo-o passar a grupos que “possam escolher entre diluir o presente no passado ou criar a sua própria história”. Isso só poderia ser feito, para ele, substituindo a dominação tradicionalista por uma intervenção sensível aos “interesses coletivos vitais”, capaz de avançar em três frentes: uma integração social ao nível nacional; a efetivação de uma ordem social competitiva universalista; e a implementação de técnicas democráticas de pensamento e de organização do poder. Somente assim seriam asseguradas ao país as “condições para se organizar e sobreviver como sociedade nacional autônoma”.

No segundo ensaio, Crescimento econômico e instabilidade política no Brasil –que foi uma comunicação no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso­-brasileiros, realizado em 1966 pelas Universidades de Harvard e Columbia –, Florestan aprofunda a dimensão política da mudança social ao abordar a relação entre crescimento econômico e instabilidade política. Ao buscar compreender as causas da instabilidade na sociedade subdesenvolvida, ele critica tanto as explicações economicistas, que fazem uma abstração do social-histórico e do político, quanto as atitudes conservadoras, que transformam a estabilidade em “vaca sagrada”. Ele interpreta a problemática através de uma observação da relação entre economia e política na situação histórico-social de um país dependente como o Brasil. Os padrões, as normas e as instituições da economia foram transplantadas para nossos países, que não possuem condições materiais e morais para sua dinâmica plena e em escala nacional. Essa constatação do fato do transplante de padrões, que já foi feita no ensaio anterior, o leva a uma afirmação mais específica: a centralidade da política nos países de capitalismo dependente e subdesenvolvido, pois eles operam em tempos históricos distintos, tensionados e descompassados. Cabe à política responder aos dilemas econômicos decorrentes disso, pois ela deve corrigir e superar os “efeitos cegos” do crescimento econômico e da mudança social. Para ele, é uma necessidade histórica para os povos de origem colonial construir uma política mais independente da economia. Isso é difícil porque o Estado-nacional não gerou o poder integrador ao nível nacional que é necessário para a ação política, o que a prende em um “complexo colonial” baseado em uma dominação patrimonialista. A política fica, portanto, nos “entraves do imobilismo tradicionalista”. Como fazê-la se projetar “nos centros de interesses e nas aspirações do ‘homem comum’, ganhando maior plenitude como fator histórico-social construtivo”? A integração nacional e o capitalismo industrial demandam uma política econômica inovadora e novas bases para a organização do Estado, com maior capacidade de previsão e controle em suas relações com a organização e o desenvolvimento da economia. Não tendo ainda se convertido ao marxismo, Florestan percebia a existência de uma rotação de tendência histórica, que tornaria “cada vez mais difícil e improdutivo manter-se a ‘política’ na condição de prisioneira de interesses estanques e confinados”, condenando as polarizações conservantistas e fortalecendo as modernizadoras. Ele aposta, então, no avanço de uma mudança no nível das consciências, com critérios de avaliação e de racionalidade em ruptura com os padrões tradicionalistas. Caso isso acontecesse, o sintoma seria uma aceleração da instabilidade política, da qual os grupos inconformistas e divergentes não teriam porque recear.

América Latina em questão: os intelectuais e a política

Como foi dito, Florestan e seu grupo já estavam desenvolvendo uma agenda e visão da América Latina antes da ruptura política; por exemplo, ele já havia publicado Padrão e ritmo de desenvolvimento na América Latina (1961) e Possibilidades e limitações da investigação sociológica na América Latina (1961). Após 1964, as interpretações se intensificam, aprofundam e transformam (adquirindo feições revolucionárias de orientação marxista), abordando as condições do capitalismo dependente no continente; a especificidade das relações de classe; os padrões de dominação imperialista; as universidades e os intelectuais (tanto os latino-americanos quanto os latino-americanistas dos EUA); os processos revolucionários e as guerrilhas; a política e os fascismos na América Latina etc. De meados de 1960 até 1980, publicou vários ensaios: As ciências sociais na América Latina (1965), A universidade em uma sociedade em desenvolvimento (1966), A ditadura militar e os papéis políticos dos intelectuais na América Latina (1969-1970), Padrões de dominação externa na América Latina (1970), Sociologia, modernização autônoma e revolução social (1970), Classes sociais na América Latina (1971), Notas sobre o fascismo na América Latina (1971), Os movimentos de guerrilha contemporâneos e a ordem política na América Latina (1977) e Reflexões sobre as “Revoluções Interrompidas” (uma rotação de perspectivas) (1981).65 Quando começava a construir sua perspectiva, ele esteve em diálogo com a primeira formulação da teoria da dependência, elaborada por Fernando Henrique Cardoso em 1965, que resultou no clássico Dependência e desenvolvimento na América Latina (1969), escrito com o sociólogo chileno Enzo Faletto. Contudo, é evidente que os dois diagnósticos do capitalismo em condições de dependência seguiram caminhos muito distintos nos anos seguintes.

Como representativo da interpretação da América Latina e ao mesmo tempo da virada para o marxismo, nossa coletânea traz o robusto Ditadura militar e os papéis políticos dos intelectuais na América Latina (1969-70), escrito entre 1969-1970 quando estava como professor na Universidade de Toronto.66 Na nota preliminar, ele já deixa claro o quanto esse texto se vincula aos desenvolvimentos mais recentes de sua obra. Trata-se de uma “sociologia crítica e militante”, que está em confrontação aberta com os poderes dominantes e que se ocupa com os embates entre o capitalismo monopolista e o movimento socialista revolucionário. Ele já prefigura a linguagem que marcará a terceira parte de A revolução burguesa no Brasil, escrita em 1973.

Os países latino-americanos estariam vivenciando, para ele, uma crise interna que seria, em igual medida, uma crise mundial do capitalismo. Na sociedade de classes de tipo dependente, essa crise estaria se expressando na ascensão de um militarismo que sustentava uma autocracia burguesa em posição de autodefesa, engajada num movimento contrarrevolucionário. A dominação autocrática seria o “último estágio da revolução burguesa nos países de capitalismo dependente”, dando suporte a um “neocolonialismo indireto, aceito livremente”. Florestan quer explicar tanto o que levou os militares a se envolverem numa “ditadura de classe”, quanto o que fez com que os intelectuais em sua maioria se conformassem à ditadura. Os militares seriam “instrumento político de uma tirania de classe” e estariam atuando com as funções de estabilização de um novo padrão de dominação contra o socialismo revolucionário; e seriam a garantia de “transição ‘segura’ para uma nova fase de desenvolvimento capitalista dependente”, em que um novo tipo de capitalismo industrial seria produzido junto com novas formas de dependência externa e de neocolonialismo. Pensando certamente no caso brasileiro, ele fala que os militares construíram uma ideologia do “desenvolvimento com segurança”, que foi favorecida pelo “medo pânico” após a revolução de Cuba. Com o golpe, “a dependência transferiu-se rapidamente das esferas econômicas e culturais para os níveis políticos, burocráticos e militares”.

E como os intelectuais reagiram a isso? No seu modo militante, Florestan mantém um sentido refinado, ainda que seja perceptível que o diagnóstico perde em sutileza analítica e histórica. Sua fineza se mostra na análise da intelligentsia. Ele parte de uma definição (bem “mannheimiana”) da situação estrutural dos intelectuais, como carentes de autonomia social, de homogeneidade cultural, de unidade política e de poder de autodeterminação, cuja impotência leva a mecanismos compensatórios de frustração e sublimação e a uma tendência a se conformar às regras do jogo estabelecidas por quem controla os poderes. Neste contexto, ele mostra como se apresenta uma tendência ao conformismo. A atitude de isolamento é uma medida de proteção que serve, segundo ele, de “instrumento de autoneutralização e autocastração”, porque os intelectuais se deixam controlar assim por uma sociedade civil conservadora que os conforma. Além disso, o estilo de vida e as expectativas dos intelectuais está em contradição com uma efetiva “atitude de negação da ordem social”, o que os leva a “incongruências insuperáveis, tais como um radicalismo tipicamente compensatório e outras irracionalidades, que resultam da ambiguidade do ‘esquerdismo’ nas sociedades capitalistas subdesenvolvidas”. Essas frágeis condições são agravadas pelo processo instaurado pela ditadura. Segundo ele, os intelectuais não são um problema em si para os regimes autoritários; o problema não está no “homem de saber” em si mesmo, mas no “homem de saber ‘rebelde’” e no “‘conhecimento crítico’ sobre a sociedade”. E o que ocorreu foi que os intelectuais se conformaram à militarização, seja por lealdade ou por interesse, ainda mais diante de uma ditadura que ampliou, modernizou e diferenciou as atividades intelectuais. Assim, a questão é está na “sistemática corrupção, através da qual os intelectuais estão sendo transformados em lacaios políticos (…)”.

Se esse é o padrão, então quais seriam as opções abertas? Antes de tudo, ele identifica a existência de uma “pequena mas estimulante intelligentsia” com papéis políticos não-conformistas, que estava sob a pressão dos regimes militares. Além disso, ele mostra uma sensibilidade dialética para sinalizar a possibilidade de que o próprio regime militar, caso conseguisse avançar de forma “bem sucedida” em seus objetivos, acabaria entrando em crise e fazendo aparecer um novo equilíbrio político em que os intelectuais “rebeldes” e “críticos” voltariam a atuar na cena história. Até porque, diz ele, o padrão de uma “civilização ocidental moderna”, mesmo aquele da América Latina, não pode sobreviver sem eles. Nesse sentido, os regimes autoritários seriam muito mais “governos-tampões” que criaram mais problemas do que poderiam resolver, até o momento em que novos processos políticos teriam que ser desencadeados demandando uma abertura. De forma mais profunda ainda, ele afirma que “o interesse das classes dominantes não pode ser atingido sob e através da violência organizada, mas somente por meio do crescimento econômico rápido, da mudança social acelerada e da modernização cultural intensa”; e o próprio sistema precisará, em algum momento, de um radicalismo político a favor da democracia e da diminuição dos impactos da desigualdade. Temos aqui uma visão bem correta do processo que acabaria por ocorrer na próxima década. Mas a ponderação se interrompe aí, a fim de sustentar uma lealdade ao socialismo revolucionário. É assim que ele acaba antevendo uma formação de um “pensamento revolucionário sistemático” e o “engajamento revolucionário da intelligentsia”. O capitalismo dependente seria incapaz de sobrepujar as condições de subdesenvolvimento, porque seus fracassos seriam estruturais; logo, “a ‘revolução dentro da ordem’, através do desenvolvimento, é impossível”; seria necessário que a intelligentsia construísse os “meios potenciais da revolução socialista na América Latina” e desenvolvesse uma “teoria viável da revolução socialista”. Uma “intelligentsia verdadeiramente revolucionária” deveria estar orientada para uma “transformação social pelo comportamento revolucionário da massa”.

4. A Constituição inacabada e a república possível (1980-1995)

Após o retorno ao Brasil, Florestan não voltou a ser professor de sua alma mater, a Universidade de São Paulo. As razões para isso são apresentadas na esclarecedora entrevista que publicamos nesta coletânea, que propicia informações sobre Florestan por si mesmo. Ele acabou se tornando professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cuja atividade docente chegou a resultar no livro A natureza sociológica da sociologia (1980). No entanto, o demarcador da última fase não está na atividade acadêmica, que resulta em livros de menor monta, mas sim em duas novas frentes de ação: de um lado, ele ingressa na política, sendo um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), eleito deputado constituinte em 1986 e deputado federal em 1990; e, de outro, ele se torna um tribuno, com uma produção prolífica, na grande imprensa, de análises do tempo presente. Elas foram reunidas em Que tipo de república? (1986) e A Constituição inacabada (1989).67

Florestan não cumpriu no Congresso Nacional com o papel político no sentido trivial; ele se preocupou muito mais em explorar a força moral da sua presença de intelectual intérprete e engajado. Portanto, a atuação como tribuno é a melhor forma de acompanhar o pensamento do velho Florestan, sempre marcado por um espírito radical, como crítico contumaz da sociedade, da política e das instituições. Nossa coletânea traz uma pequena amostra disso, dividindo-a em intervenções e testemunhos.

A seção Intervenções começa com o artigo Egoísmo, covardia e terror (1986), no qual, motivado pelo assassinato do Padre Josimo Moraes Tavares, da Pastoral da Terra, Florestan critica o “capitalismo selvagem” e o “Estado de pilhagem, subcolonial e antinacional” dos anos 1980, quando “os crimes são cometidos em nome da ‘defesa da civilização’ e da ‘luta contra a barbárie’”, de modo que mafiosos se representam como defensores da lei e vítimas são postas como inimigos da ordem. Por sua vez, em Odiai-vos uns aos outros (1988), motivado por mais um assassinato, o do teatrólogo Luiz Antonio Martinez Corrêa, ele constrói uma peça que retrata em retórica impressionista a ideia de capitalismo dependente, dizendo que o capitalismo “faz do Brasil uma unidade dialética de EUA e Haiti”. Temos, então, o retrato sombrio de um país da “indiferença”, que parece dizer a todos que “tudo o que é humano me incomoda e me desilude”, massacrando os talentos inconformistas: “o talento pode ser tolerado. A divergência, em suas várias modalidades, pode ser tolerada. A fusão dos dois (…) é um atentado (…) [à] sociedade que oculta a barbárie através da civilização imaginária”. Qual é a solução? Para ele, seria converter “cada ser humano em combatente da propagação de um humanismo socialista e em agente da transformação socialista do mundo, da conquista da liberdade com igualdade”.

A seção traz ainda dois artigos. Em Pacto social e nova república (1985), o futuro deputado da Constituinte critica o “como se”da “imaginação política brasileira”. Baseando-se num Brasil ideal, os políticos inventam um pacto social fictício – que, na época, estaria sob o signo do “desenvolvimentismo” – que só servia para a “autodefesa da burguesia” e “manutenção das classes subalternas em seu lugar”. Ao apostar na “recusa da ‘paz social’ com a burguesia” e buscar uma democratização por “pressão do seu polo proletário”, ele antecipa o que seria a recusa estreita e isolacionista da Constituição de 1988 por parte do Partido dos Trabalhadores (PT): “se o pacto burguês prevalecer a Nova Constituição estará a serviço do Brasil ideal, e não da nação como totalidade concreta”. É o que se mostra mais claramente no último artigo, A idealização da Constituição (1988), em que ele afirma que a constituição, como um “faz-de-conta” do formalismo jurídico, é um instrumento de poder e dominação que “institui uma ordem de privilégios e degrada o Estado à condição de biombo de despotismo dos donos do poder”. Em uma bela imagem, ele diz que o Brasil é tratado como se fosse uma grande senzala; e faz uma afirmação de atualidade: “segundo a tradição das elites das classes dominantes, tudo está bem para nós quando suas posições na estrutura do Governo não são tocadas. Os outros que se danem”. Esperam apenas conquistar “o paraíso da estabilidade política”, consagrador da “vitória da plutocracia”. Apesar de apostar na estratégia da instabilidade política pela polarização e de exagerar na pintura anunciando uma crise burguesa em que os outros estão a se erguer com potencial revolucionário, é interessante escutar a defesa de uma “imaginação política na construção de uma constituição que responda às exigências contraditórias da situação histórica como totalidade”. Caso entendamos a constituição num sentido amplo, como modo de vida de um povo, poderíamos sintetizar a ideia em um sentido forte: contra o país das ficções por conveniência e dos pactos oligárquicos restaurados, seria preciso uma imaginação política constituinte que atue sobre as próprias realidades sociais e a transformação institucional.

Finalizando nossa coletânea, temos três textos na seção Testemunhos. Não por acaso, motivados por mais três experiências do caráter opressivo da sociedade brasileira. Em A chama que não se apaga (1984), ele constrói um retrato generoso de Carlos Marighella, que se confunde com o seu próprio anseio por “um equacionamento teórico e prático do enigma do movimento comunista no Brasil”. Em A dor não seca (1984), ele resenha O batismo de sangue, de Frei Betto, dando atenção especial ao que jamais poderá ser esquecido, a violência contra frei Tito de Alencar Lima, contra a qual não haveria perdão, pois “a dor tem que ser removida mediante a transformação revolucionária do mundo”. Por fim, em Luta em surdina (1985), terminamos nosso livro com um retrospecto sofrido da sua geração, ceifada sob o impacto da ditadura. Contando-a numa homenagem ao sociólogo Luiz Pereira, impressiona escutá-lo falar da “excessiva descontinuidade do nosso crescimento cultural”, uma vez que é marcado pelo “teor antropofágico imperante nas relações entre estratos consecutivos de uma mesma geração ou entre gerações sucessivas, o que explica a estranha associação de um ritual de morte (experimentei-o pessoalmente, em minha casa, no dia de minha ‘punição’) e a alegre continuidade da rotina acadêmica”.

Pois é, Florestan, existem outras formas de continuar a vida pisoteando com alegria sobre corpos sepultos, no arraste de uma recorrente dependência cultural faminta de novidade. Comum também é celebrar os talentos da nossa história, cobrindo-os de uma glória eterna, todavia etérea, que relega as obras a lugares belos e comemorados, mas remotos e esquecidos, porque sem leitores e tampouco críticos…

Notas

1 Para conhecer Florestan por ele mesmo, recomendo a longa entrevista em forma de livro: FERNANDES, Florestan (1978) A condição de sociólogo. São Paulo: Hucitec.

2 GONZÁLEZ, Horacio (2023) O idioma da crítica. Rio de Janeiro: Biblioteca Básica Latino-Americana (BBLA, vol. 3). Ver o ensaio “A obra de Florestan Fernandes em perspectiva”.

3 Essas qualificações se distribuem nos depoimentos e memórias daqueles que conviveram com Florestan, mas as menções aqui são extraídas basicamente das peças de Antonio Candido, que descreveu com argúcia os contornos da personalidade e do caráter de seu amigo: CANDIDO, Antonio (2001) Florestan Fernandes. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. Ver também o brilhante livro de José de Souza Martins: MARTINS, José de Souza (1998) Florestan Fernandes: sociologia e consciência social no Brasil. São Paulo: EdUSP; e os excelentes textos de Fernando Henrique Cardoso reunidos em: CARDOSO, Fernando Henrique (2013) Pensadores que inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, p. 173-203.

4 FERNANDES, Florestan (1978) A condição de sociólogo, op. cit., p. 4.

5 FERNANDES, Florestan (1946) Introdução da Contribuição à crítica da economia política (Editora Flama). A tradução de Florestan é considerada a primeira publicação de Marx em português. Sua introdução foi publicada como “Marx e o pensamento sociológico moderno” em: FERNANDES, Florestan (1971) Ensaios de sociologia geral e aplicada. São Paulo: Pioneira. Foi incluída mais recentemente em: Leituras & Legados. São Paulo: Global, p. 25-100. Florestan chega a dizer que se aproximou de Mannheim por ele ser um “marxista róseo”, mas isso me parece uma justificativa a posteriori, porque entre Mannheim e o socialismo marxista existe uma enorme distância.

6 Seus primeiros estudos, dedicados ao folclore e à etnologia, foram reunidos em A sociologia e a etnologia no Brasil (Editora Anhambi, 1958), livro posteriormente desmembrado em outras coletâneas.

7 Florestan escreveu sobre Mannheim em um trabalho para a cadeira de Antropologia de Emílio Willems, publicado como: FERNANDES, Florestan (1946) A concepção de ciência política de Karl Mannheim. In: FERNANDES, F. (1970) Elementos de Sociologia Teórica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 223-291. Na fase seguinte, retornou ao autor em: FERNANDES, Florestan (1956/8) As publicações póstumas de Karl Mannheim. In: FERNANDES, F. (1971) Ensaios de sociologia geral e aplicada. 2. ed. São Paulo: Pioneira, p. 391-408.

8 FERNANDES, Florestan (1978) A condição de sociólogo, op. cit., p. 92.

9 Seus textos sobre folclore foram publicados em vários livros. Destacam-se: a terceira parte de A etnologia e a sociologia no Brasil (Anhembi, 1958), intitulada “Folclore e ciências sociais – antigas e novas perspectivas”; a quarta parte “Religião e Folclore” de O negro no mundo dos brancos (1972); e, principalmente, a coletânea Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (Vozes, 1961).

10 Reunidos no anexo Considerações sobre o estudo do folclore de: FERNANDES, Florestan (1961) Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. Petrópolis: Vozes, p. 401-471.

11 Ibid., p. 33.

12 Ele foi escrito para a História Geral da Civilização Brasileira (organizado por Sérgio Buarque de Holanda).

13 Cf. MARTINS, José de Souza (1994) Vida e história na sociologia de Florestan Fernandes (reflexões sobre os métodos de vida). In: MARTINS, J. de S. Florestan, op. cit., p. 87-96. E também: FERNANDES, Florestan (1953) A história de vida na investigação sociológica: a seleção dos sujeitos e suas implicações. In: FERNANDES, Florestan (1971) Ensaios de sociologia geral e aplicada, op. cit., 251-269.

14 Cf. FERNANDES, Florestan (1956-7) Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil. In: Fernandes, Florestan (1975) A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, p. 119-190.

15 Na introdução a Organização social dos tupinambá, Florestan havia feito uma longa discussão teórica sobre o conceito de organização social. Mas somente uma pequena parte saiu no livro, por razões editoriais. A íntegra da introdução foi publicada em: FERNANDES, Florestan (1947) O estudo da organização social. In: FERNANDES, Florestan (1970) Elementos de Sociologia Teórica. São Paulo: Companhia Editora Nacional., p. 113-163.

16 FERNANDES, Florestan (1949-1950) O conceito de controle social e sua aplicação na sociologia. In: FERNANDES, Florestan (1970) Elementos de Sociologia Teórica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 164-190.

17 Sobre o aspecto da educação, ver: (1951) Cap.2. Notas sobre a educação na sociedade tupinambá. In: Fernandes, Florestan (1975) A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, p. 33-83.

18 Florestan publicou outros textos sobre a economia primitiva. Uma breve discussão das teorias sobre o tema: FERNANDES, Florestan (1948) O estudo sociológico da economia primitiva. In: FERNANDES, Florestan (1971) Ensaios de sociologia geral e aplicada. 2. ed. São Paulo: Pioneira, p. 239-250. E um robusto ensaio de interpretação da economia tupi: FERNANDES, Florestan (1949) A economia tupinambá: ensaio de interpretação sociológica do sistema econômico de uma sociedade tribal, Revista Arquivo Municipal, São Paulo, n. 122, p. 7-77, fevereiro (publicado em: FERNANDES, Florestan (2010) Leituras & Legados. São Paulo: Editora Global, p. 101-181.

19 FERNANDES, Florestan (1978) A condição de sociólogo, op. cit., p. 90.

20 FERNANDES, Florestan (1949) Organização social dos Tupinambá. São Paulo: Instituto Progresso.

21 FERNANDES, Florestan (1951) A função social da guerra na sociedade tupinambá, Revista do Museu Paulista, Nova Série v. VI, p. 7-425, 16 pranchas fora do texto São Paulo: Museu Paulista (publicada posteriormente em várias edições por editoras diferentes).

22 Esse esforço de reconstrução documental resultou num importante ensaio: FERNANDES, Florestan (1949) Um balanço crítico da contribuição etnográfica dos cronistas. In: Fernandes, F. (1975) A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, p. 191-289 (nova edição pela Global). Publicado antes como “A análise funcionalista da guerra: possibilidades de aplicação à sociedade Tupinambá. Ensaio de análise crítica da contribuição etnográfica dos cronistas para o estudo sociológico da guerra entre populações aborígenes do Brasil Quinhentista e Seiscentista”, na Revista do Museu Paulista, transcrita em FERNANDES, F. (1958) A etnologia e a Sociologia no Brasil. São Paulo: Anhembi, cap. II.

23 bid., p. 86.

24 Ibid., p. 85.

25 Esses dois estudos foram publicados em várias compilações, a começar pela primeira edição de As mudanças sociais no Brasil (1960). O texto Contribuição para o estudo de um líder carismático (1951) acabou integrado na compilação O negro no mundo dos brancos (1972); e o estudo Tiago Marques Aipobureu: um bororo marginal (1946) ficou em A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios (1975). Ambos foram reunidos também em Leituras & Legados (2010).

26 FERNANDES, Florestan (1959-1960) O folclore de uma cidade em mudança. In: (1961) Folclore e mudança social na cidade de São Paulo, op. cit., p. 7-152.

27 Ibid., p. 27.

28 FERNANDES, Florestan (1988) As tarefas políticas do protesto negro. In: (1989) O significado do protesto negro. 1. ed. São Paulo: Cortez, p. 33.

29 Segundo José de Souza Martins, esta inovação de Florestan/Bastide é uma “pesquisa-ação” avant la lettre, termo que entrou em moda muito depois com os trabalhos de Orlando Fals-Borda. Ver MARTINS, José de Souza (1998) Florestan, op. cit., p.52.

30 FERNANDES, Florestan (1989) Prefácio. In: (1989) O significado do protesto negro, op. cit., p. 11.

31 Esta pesquisa sobre os sírios e libaneses era a ideia inicial de tese, abandonada em favor da pesquisa histórica sobre os tupi. Para um fragmento da investigação: FERNANDES, Florestan (1956) A aculturação dos sírios e libaneses em São Paulo. In: FERNANDES, Florestan (2010) Leituras & Legados. São Paulo: Global, p. 225-234.

32 Publicado em: FERNANDES, Florestan (1951) Raça e sociedade: o preconceito racial em São Paulo (projeto de estudo). In: (1976) A sociologia numa era de revolução social. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, p. 285-313.

33 FERNANDES, Florestan (1976) 25 anos depois: O Negro na era atual. In: FERNANDES, F. (1976) Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo. No mesmo livro, ele publica um estudo histórico que revisita os padrões raciais da sociedade escravista: FERNANDES, F. (1976) A Sociedade Escravista no Brasil. In: (1976) Circuito fechado, op. cit., p. 11-63.

34 FERNANDES, Florestan (1971) Introdução. In: FERNANDES, F. (1972) O negro no mundo dos brancos, op. cit., p. 33.

35 FERNANDES, Florestan (1965) A integração do negro na sociedade de classes: ensaio de interpretação sociológica. Dominus Editora (com novas edições pelas editoras Globo e Global).

36 Ibid., p. 34.

37 Eles são claros a respeito disso: “a ‘raça’ apenas fornece os atributos que são selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos, em determinadas condições de existência social; ela não é representada, nem sequer ficticiamente, como uma ‘substância’ do preconceito racial. Em outras palavras, nela se encontram as matérias-primas do preconceito racial, isto é, dos estereótipos, dos símbolos sociais, dos padrões de comportamento e das práticas coletivas que, em cada sociedade (e em cada época histórico-social na evolução de cada sociedade), constituem o que se entende sociologicamente por preconceito racial. As causas e os modos de elaboração dessas matérias-primas estão na ‘sociedade’ – não nas ‘raças’” (p. ibid., p. 300).

38 FERNANDES, Florestan (1971) Introdução. In: FERNANDES, F. (1972) O negro no mundo dos brancos, op. cit., p. 35.

39 Ibid., p. 36.

40 FERNANDES, Florestan (1971) Introdução. In: FERNANDES, F. (1972) O negro no mundo dos brancos, op. cit., p. 26.

41 Na primeira edição do livro, temos textos de outros colaboradores do projeto da UNESCO, como Virgínia Leone Bicudo, Aniela Meyer Ginsberg e Oracy Nogueira, A partir da segunda edição, o livro passou a ter apenas os textos de Bastide e Florestan.

42 Ibid., p. 81-2.

43 Boa parte destes textos foram publicados nas coletâneas já mencionadas: Elementos de sociologia teórica (1970); Ensaios de sociologia geral e aplicada (1971) e Sociologia numa era de revolução social (1972).

44 FERNANDES, Florestan (1959) Fundamentos empíricos da explicação sociológica. São Paulo: Companhia da Editora Nacional.

45 Ibid.

46 Ibid., p. 81.

47 FERNANDES, Florestan (1956-9) A sociologia aplicada: seu campo, objeto e principais problemas. In: FERNANDES, Florestan (1971) Ensaios de sociologia geral e aplicada. 2. ed. São Paulo: Pioneira; (1959) A ciência aplicada e a educação como fatores de mudança social provocada. In: FERNANDES, Florestan (1971) Ensaios de sociologia geral e aplicada. 2. ed. São Paulo: Pioneira.

48 Os dois projetos vinculados ao tema, escritos por Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, são: FERNANDES, Florestan (1962) Economia e sociedade no Brasil: análise sociológica do subdesenvolvimento. In: FERNANDES, F. (1976) A sociologia numa era de revolução social, op. cit., p. 314-337; FERNANDES, Florestan (1962) A empresa industrial em São Paulo (projeto de estudo). In: ibid., p. 338-358.

49 FERNANDES, Florestan (1959) Introdução. Atitudes e motivações desfavoráveis ao desenvolvimento. In: FERNANDES, F, (1960) Mudanças sociais no Brasil, op. cit., p. 11-49 [publicado na segunda edição como apêndice]; FERNANDES, Florestan (1960) Padrão e ritmo de desenvolvimento na América Latina. In: FERNANDES, F, (1976) A sociologia numa era de revolução social, op. cit., p. 237-284; FERNANDES, Florestan (1962) Reflexões sobre a mudança social no Brasil. In: ibid., p. 202-236.

50 FERNANDES, Florestan (1959) Introdução. Atitudes e motivações desfavoráveis ao desenvolvimento, op. cit., p. 48.

51 FERNANDES, Florestan (1962) Reflexões sobre a mudança social no Brasil, op. cit., p. 211.

52 Vários acontecimentos iriam mudar os planos estabelecidos, mas houve resultados diretos materializados em livros como Empresário industrial e desenvolvimento econômico (1964), de Fernando Henrique Cardoso, Estado e capitalismo (1965), de Octávio Ianni, Desenvolvimento econômico e evolução urbana (1968), de Paul Singer, e Petróleo e nacionalismo, de Gabriel Cohn (1968).

53 FERNANDES, Florestan (1959) Obstáculos extraeconômicos à industrialização no Brasil. In: FERNANDES, F. (1960) Mudanças sociais no Brasil, op. cit.

54 Ibid., op. cit., p. 25.

55 CANDIDO, Antonio (1994) Um grande homem, op. cit., p. 60.

56 FERNANDES, Florestan (1978) A condição de sociólogo, op. cit., p. 26.

57 Não quero dizer com isso que as pesquisas de Florestan sobre raça foram somente individuais. Vale lembrar, a esse respeito, que, por seu incentivo, seus orientandos Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso foram estudar as relações raciais no Sul do país. Eles publicaram em conjunto Cor e mobilidade social em Florianópolis (1960), e em 1961, Fernando Henrique Cardoso defendeu sua tese de doutorado, orientada por Florestan: Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul (1962).

58 José de Souza Martins (1996) A morte de Florestan Fernandes e a morte da memória. In: MARTINS, José de Souza (1998) Florestan Fernandes, op. cit., p. 45-7.

59 FERNANDES, Florestan (org.) (1978) Introdução. In: FERNANDES, F. (org.) Lênin – sociologia. São Paulo: Ática, p. 7-50; FERNANDES, Florestan (1989) Introdução. In: FERNANDES, F. (org.) Marx/Engels – história. 3. ed. São Paulo: Ática, p. 9-143.

60 FERNANDES, Florestan (1968) Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar (reunindo ensaios escritos entre 1964 e 1967).

61 FERNANDES, Florestan (1973) Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina, Rio de Janeiro: Zahar (reunindo ensaios escritos entre 1969 e 1972).

62 Ibid., p. 214.

63 Além destes dois livros, vale mencionar nesta fase a coletânea posterior: FERNANDES, Florestan (1976) Circuito fechado: quatro ensaios sobre o ‘poder institucional’. São Paulo: Globo.

64 FERNANDES, Florestan (1975) A revolução burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica, Rio de Janeiro: Zahar.

65 Os ensaios foram publicados nas coletâneas Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (1973) e Poder e contrapoder na América Latina (1981) e na segunda parte de Circuito Fechado (1976), intitulada “América Latina: Hoje”. Florestan escreveu também uma interpretação da revolução cubana: FERNANDES, Florestan (1979) Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. TAQ.

66 Seria muito profícuo dialogar este estudo com o ensaio de “Tipologia política latino-americana”, de Darcy Ribeiro, publicado no primeiro volume da BBLA: RIBEIRO, Darcy (2023) América Latina existe?. Rio de Janeiro: Biblioteca Básica Latino-Americana.

67 FERNANDES, Florestan (1986) Que tipo de República? São Paulo: Brasiliense; FERNANDES, Florestan (1989) A Constituição inacabada: vias históricas e significado político. São Paulo: Estação Liberdade.

ANDRÉ MAGNELLI é idealizador, realizador e diretor da instituição de livre estudo, pesquisa, escrita e formação Ateliê de Humanidades (ateliedehumanidades.com). 
 Sociólogo, professor, pesquisador, editor, tradutor, mediador cultural e empreendedor civil/público. É editor do Ateliê de Humanidades Editorial e do podcast República de Ideias. É editor da tribuna Fios do Tempo: análises do  presente. É curador do Ciclo de Humanidades: ideias e debates em filosofia e ciências sociais, co-organizado com o Consulado da França no Rio de Janeiro. Pesquisa na interface de teoria social, tecnociências & sociedade, sociologia histórica do político, teoria antropológica, ética, filosofia política e retórica.

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