A relação entre o presidente Bolsonaro e os meios de comunicação tem sido carregada de paixões. O paroxismo do amadorismo político se apresenta nas manifestações lamentáveis a respeito daqueles que zelam pelo direito à informação e à transparência da coisa pública. E o motivo é evidente: a imprensa investiga, analisa e divulga atitudes do Governo e os pontos de vista dos grupos descontentes da nossa sociedade. Seu papel é informar o público e criar o diálogo sem o qual a democracia não pode sobreviver. O jornalista deve ter a coragem de ser independente da influência política e não pode se dar ao luxo de tornar-se instrumento do Poder. Talvez isso explique a fúria do presidente quando as redes de televisão “se comportam mal” ao criticarem atos do governo. Se queremos o fortalecimento da democracia, da liberdade de opinião, não podemos permitir que os meios de comunicação de massa, públicos e privados, estejam sujeitos às pressões governamentais e aos seus interesses. Proteger a mídia impressa, o rádio e a televisão da intimidação política, através das mídias sociais, é fundamental para o exercício democrático.
A tensão entre o Executivo e a imprensa, que tem sido uma constante em nossa história, ajuda a oxigenar nossa democracia viva e dinâmica. Os atritos devem ser mantidos e ajustados à nossa época para que o presidente não se afaste da responsabilidade que os meios de comunicação ajudam a fomentar. Uma imprensa livre e florescente é uma das melhores armas de que podemos dispor contra o possível abuso do poder presidencial. Os meios de comunicação de massa devem denunciar escândalos e desmascarar mentiras. Só assim a população mantém-se informada a respeito de questões vitais. Mas a imprensa precisa da ajuda de outras instituições – principalmente o Congresso e os partidos políticos – para melhor cumprir sua missão e estimular a participação do cidadão nos grandes debates públicos. E, para isso, os parlamentares têm que lutar pelo direito de expressão, insistindo em um acesso mais justo e mais completo ao rádio e à televisão, assim como tornar a imprensa escrita cada vez mais independente e responsável. A política, em uma sociedade que se quer cada vez mais democrática, não resulta em um mundo para sempre ordeiro; diz respeito a um processo em que novas vozes sempre poderão ser ouvidas. Essa concepção da vida democrática é a que queremos para o nosso país.
Construir uma ética nova, tão necessária à nossa realidade, é construir uma cultura. Os meios de comunicação são um instrumento para vencer esse desafio. Culturas consistem em pessoas trabalhando para fins comuns, compartilhando ideais de união, concordando sobre valores e princípios. Erguem-se na plataforma das leis, rituais, costumes e instituições públicas que, juntos, dão forma, força e solidez aos ideais de comunidade. Para ser viável, uma cultura deve constituir um terreno nutriente para o desenvolvimento e o enriquecimento da vida humana. A informação, veiculada pela imprensa, é a matéria prima para a construção de um senso de significado que dê ânimo à população do nosso país. Em boa hora a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), a Associaçãol Nacional de Jornais (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) repudiaram as publicações autoritárias do presidente na rede de sites, perfis e bots que ameaçam a liberdade de imprensa, fato grave pelo cargo que ocupa.
Carlos Alberto Rabaça é sociólogo e professor
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