As amizades baseadas na utilidade se dissolvem assim que deixa de haver vantagem nelas, porque estes não são amigos um do outro, mas do ganho que podem lucrar um do outro. É possível que se estabeleçam relações de amizade que tenham como fim em vista o prazer e a utilidade […] Contudo, uma amizade que tem como fim em vista o que cada um é em si próprio existe apenas entre homens de bem, porque os ordinários não podem sentir prazer nenhum uns com os outros, a não ser que possam obter uma qualquer vantagem. E só a amizade entre os bons é capaz de resistir à calúnia. Na verdade, não é fácil acreditar no que se diz sobre um amigo que foi posto à prova por nós próprios durante longo tempo. Na amizade entre boas pessoas, há confiança mútua. Ou seja, os homens de bem não agem nunca injustamente e, de resto, nesta amizade estão presentes todas as outras características que se pensa serem indispensáveis a uma verdadeira relação de amizade, enquanto, por outro lado, nas outras formas de amizade nada impede que a calúnia, a falta de confiança e a injustiça se instalem.
[…] O bem é, contudo, para os homens de bem, suscetível de amor e querido tanto em absoluto como relativamente a si próprios. Mas enquanto a afeição se assemelha a um estado passivo, a amizade é uma disposição ativa. […] A amizade implica uma decisão. Uma decisão, por outro lado, apenas pode ser tomada a partir de uma disposição de caráter. Ademais, os homens de bem desejam o bem às pessoas de quem gostam por causa delas próprias, não de acordo com um estado [emocional] passivo, mas de acordo com uma disposição ativa. Ao amarem o amigo, amam o seu próprio bem, porque quando uma pessoa de bem se faz amiga de outrem, torna-se num bem para o seu amigo. As pessoas de bem amam o seu próprio bem e, assim, restituem, em conformidade, em parte igual, o bem que querem e o prazer que dão. É por isso que também se diz que a amizade é igualdade, sobretudo aquela que existe entre homens de bem.
Aristóteles, Ética a Nicômaco. Livro VIII, 1157a15-1158a1
(editora Atlas, tradução de António de Castro Caeiro)
Foto de Robert Doisneau
Achado de André Magnelli
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