Talvez devamos falar do amor como uma política de cuidados para um mundo que precisa ser reparado afetivamente e que exige novos modos de percepção e construção dos encontros sociais.
Amor é uma das palavras mais citadas em músicas, filmes, livros e bate papos. Serve tanto para exaltar conquistas sexuais e sentimentais como para justificar lamentos e desilusões. O amor também é útil para canalizar sonhos de prazer: “amo viajar”, “amo meu carro”, “amo minha roupa”. Mas a generalização gramatical do amor pode expressar não seu sucesso, mas sua banalização como dispositivo de construção de intimidades. O ideal do amor romântico contribuiu para isto ao pintar com cores azuladas os juramentos de fidelidade eterna, minimizando as cores vermelhas do poder.
Grandes conhecedores da alma humana, como Shakespeare, sabiam que os pactos afetivos são rituais sacrificiais inevitáveis. “Romeu e Julieta”, misturando eternidade e tragédia, expressa o caráter dramático dos encontros amorosos. “Otelo, o mouro de Veneza” revela que o otimismo sentimental esconde sombras assustadoras, ciúme, traição e vingança, que fascinam aqueles(as) que desistiram de amar e que se rendem às narrativas sentimentalistas das novelas de televisão. Pesquisas recentes, no Brasil, revelam que a cada três casamentos um termina em divórcio. A falência de matrimônios atinge todos, ricos e pobres, e coloca a questão de saber como mobilizamos nossos afetos para dar um sentido ao existir. Amizade e lealdade sinceras não se vendem nem se compram. Dinheiro ajuda na sedução, mas não no amor.
A institucionalidade do amor entre os impulsos espontâneos de prazer e as obrigações contratuais coletivas tem se revelado como uma saída prática para a dramatização dos encontros. Platão achava que a saída estava na filosofia que conciliaria três modalidades de amor: o agápico (aquele sublime e incondicional), o filial (a amizade) e o erótico (o sexual). O preço do con-viver exige a aceitação do ganho e da perda, do sonho e do pesadelo, num universo incerto e povoado por humanos tão diversos. Talvez devamos falar do amor como uma política de cuidados para um mundo que precisa ser reparado afetivamente e que exige novos modos de percepção e construção dos encontros sociais.
É professor titular da UFPE, ex-presidente da ALAS
e autor de “Itinerários do dom: teoria e sentimento”
(Ateliê de Humanidades Editorial, 2019)
Fonte da imagem: “Othello e Desdêmona em Veneza” por Théodore Chassériau (1819–1856)
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