LIPOVETSKY, Gilles.; SERROY, Jean. A Estetização do mundo. Viver no capitalismo artístico. São Paulo: Cia das Letras, 2015, 472 p. (original: L’Esthétisation du monde : vivre à l’âge du capitalisme artiste. Paris, Gallimard, 2013, coll. « Hors série Connaissance », 496 p.)
Sugestão de Eliane Soares
Sendo Lipovetsky um filósofo que nos instiga múltiplas reflexões sobre o mundo contemporâneo, sugerimos a leitura deste trabalho, pois ele consegue nos confrontar, sem esforços hercúleos, com aspectos de nosso cotidiano que são aparentemente tão palatáveis, mas que podem nos tornar na verdade cúmplices de nossa própria distração e de nosso inadvertido distanciamento daquilo que desejamos como sendo o principal de nossas vidas.
Lipovetsky desenvolve, nesta obra, a abordagem de um capitalismo que se apropria da condição estética humana para alcançar seus objetivos de maiores lucros e rentabilidade. Descreve o sentido original da produção industrial na era moderna, onde a fabricação em série atende a um maior número de pessoas e as novidades tecnológicas são o apoio para sua diversificação, aliadas à democratização do acesso a bens materiais. Sua pretensão em tese seria ampliar as possibilidades de um bem viver. Progressicamente, vão sendo tecidas as transformações e as revoluções no capitalismo contemporâneo, que penetra as aspirações humanas tornando-as cada vez mais individualizadas, sofisticando-se em suas operações e criando uma verdadeira obra de arte mercadológica. Os autores denominam-no de capitalismo artista; próprio de uma era hipercapitalística. Ao longo deste trabalho, portanto, eles formulam de maneira interessante a descrição da evolução histórica de uma estetização do mundo: “depois da arte para os deuses, da arte para os príncipes, da arte pela arte, triunfa a arte para o mercado.”
Eles coloca a si mesmos uma questão sempre instigante: “Pode a beleza salvar o mundo?” Eles enfatizam a amplitude dessa estetização na era moderna que desemboca numa pós-moderna e a seguir numa hipermodernidade, chamada por eles de era transestética. Percorre com detalhes os alcances, os limites e as contradições neste processo em que a sociedade é induzida a um hiperconsumismo pelas estratégias de captura das sensibilidades, dos afetos, dos desejos, dos interesses, das acelerações. Seu objetivo principal não é simplesmente uma crítica ao consumismo, mas sim a observação das capacidades criativas que inspiram a prosperidade e o sucesso dos interesses capitalísticos em seu cerne, ou seja, o escoamento lucrativo de suas produções. Para tanto, se esmera, amplia seu olhar e expande sua atenção à exploração das mais diversas “experiências sensíveis” que substanciam um cotidiano de vida altamente individualizado, onde predomina o hedonismo, com uma busca de realização de si, de autenticidade e de originalidade, bem como com um incessante interesse por novidades, aliado a uma efemeridade e a um imediatismo crescentes.
Lipovetsky e Serroy desdobram a compreensão dos aspectos intersticiais e dos mecanismos que operam este processo em seus diferentes campos, seja o econômico, o social, o cultural, o urbano, o ecológico, o existencial e o moral. Se, na era moderna, esses campos têm seu tempo e seu espaço próprios, na hipermodernidade eles fundem-se, misturam-se, hibridizam-se como num caleidoscópio em que em um simples movimento se mostram as diversas facetas de um objeto. Para além das aparências, os autores ressaltam que a era transestética, hipermoderna, hiperconsumista traz em si ilusões, sedutoramente amparadas no que eu denomino, em minha pesquisa, “condição estética do ser humano”. Aos olhos dos autores, o capitalismo artista paradoxalmente opera mais como um oxímoro do que como um ogro que devora os próprios filhos. E, como tal, paga o preço de sua sobrevivência com crises e catástrofes que entrecortam sua história.
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