Os aspectos mórbidos de um estado de permanente descompromisso [com o mundo por parte de intelectuais] são evidentes. [Diferentemente de intelectuais inteiramente descompromissados], quem se defronta com as consequências diárias de suas ações acaba por adquirir hábitos pragmáticos e uma visão crítica dentro dos limites de sua prática profissional. O intelectual [completamente descompromissado] escapa destas restrições. Nada se opõe a que ele examine as crises de uma perspectiva ampla ou se coloque num nível de abstração sem consequências. Ideias promissoras tornam-se fins em si e fonte de intoxicação solitária. O pensador imune à refutação pelos fatos tende a esquecer-se da principal finalidade do pensamento: saber e prever para agir. A ideação livre e desenfreada leva às vezes a ilusões de grandeza, pois a mera habilidade de comunicar ideias sobre questões aborrecidas assemelha-se sedutoramente à capacidade de dominá-las.
Em geral, as confabulações intelectuais pessoais dos indivíduos reclusos não causam comoções, mas em tempos de crise o êxtase intelectual pode cair em solo fértil. Massas sequiosas de segurança às vezes seguem um xamã cujo discurso sugere onipotência. É nesse ponto que as expectativas de uma massa insegura e o êxtase de intelectuais solitários podem se encontrar.
Karl Mannheim
O problema da “intelligentsia”. In: Sociologia da cultura (São Paulo: Perspectiva)
Achado de André Magnelli
Imagem em destaque: Selçuk, origem não identificada
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