Estética, Artes e Afetos: entre questões eternas e desafios do instante

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Um Plano de Convergência que intersecciona Estética, Artes e Afetos é mais do que natural em um espaço que se constitui como um Ateliê  de Humanidades. No mais íntimo de um ateliê, é de se esperar o encontro das artes, uma sensibilidade ao estético e uma abertura ao afetivo.

Entendendo a estética em um sentido amplo, que engloba não apenas as produções e as experiências das mais distintas formas de arte, mas também tudo aquilo que diz respeito ao significante excedente, ao sensual, ao corporal, ao afetivo, nós, humanos, artistas das ideias, das palavras e das ações, assistimos ao encontro das humanidades com a própria carne da vida e com o corpo vivido, onde o artesanato se torna poético; o intelectual, sedução; e o cognitivo, afeto.

Em um mundo onde se vive a simultaneidade de crises, não é um acaso que a estética esteja adquirindo centralidade nas reflexões filosófica, sociológica, antropológica e psicológica.  Talvez seja o espírito do tempo. Para parafrasear um antigo pensador, invertendo o sentido da frase a fim de recusar sua significação pejorativa, bem poderíamos dizer que – tal como o divino e, muitas vezes, umbilicalmente vinculado a ele – a estética parece tornar-se “o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma”. Mas o que é, afinal, esta experiência estética à qual associamos, muitas vezes, os maiores tesouros de nossas existências? Qual a sua relação com nossa vida afetiva e emocional? De que forma este campo de criação humana, que chamamos no mundo moderno de “artes”, se associa de tal modo com o “estético” que temos mesmo dificuldade de pensar um sem o outro?

As respostas a tais perguntas devem ser, ao mesmo tempo, históricas, filosóficas e antropossociológicas. Estando preocupados em refletir sobre o fenômeno estético e as artes tão apenas em geral, não adentraremos aqui em investigações sobre artes particulares – o que será reservado a Planos próprios quando propício -, reservando-nos a explorar os seus contornos gerais, conceituais e históricos. O desafio deste Plano é enorme, pois tenta conciliar o já vasto campo de investigações em história, filosofia e sociologia das artes com o igualmente amplo espaço de reflexões sobre a dimensão sensorial, emotiva e afetiva do humano, considerando-a em sua tripla articulação com o conhecimento, a moralidade, as artes, visto que é elemento incontornável do senso comum. Tal articulação era evidente no sensualismo anglo-saxônico, no materialismo francês e nos primórdios de fundação da estética, em tempos de Alexander Baumgarten, vista como busca de conhecimento da lógica da sensualidade. A oscilação terminológica do termo “estética” da 1a a 3a críticas de Immanuel Kant e a forma pela qual ele a tratou metodológica e conceitualmente – pela questão dos juízos de gosto, o belo e o sublime – , definiram os rumos da reflexão estética moderna; neste mesmo passo, ocorreram as transformações sociais geradas pelo processo de modernização cultural, por meio das quais se realizou a diferenciação das esferas de valor (para falarmos com Max Weber), quando as artes ganharam uma autonomia relativa e um certo monopólio referente ao “estético”.

Com isso, perdeu-se de vista, muitas vezes, a transversalidade da experiência estética humana, da qual as artes são uma de suas expressões, ainda que, para muitos, mais digna de nobreza. O presente Plano tem o intuito de articular tal caráter transversal. Isso será feito em alguns movimentos.

Num primeiro segmento, realizamos, em forte diálogo com os Planos Entre Humanismo, Pragmatismo e Complexidade e Tecnociências & Sociedade, uma investigação histórico-conceitual da estética e das artes, a começar pela cultura grega e pela filosofia clássica, a fim de, em um segundo segmento, assumir uma perspectiva histórica sobre o percurso das artes e da experiência estética no mundo moderno.

Pela articulação entre uma investigação história de longa duração com outra a respeito do processo de modernização cultural, chegaremos ao terceiro segmento, onde são feitos esforços de teorização em três frentes.

Em primeiro lugar, inserimos todos os esforços de reflexão em torno do fenômeno estético advindos do interior da filosofia moderna. Incluem-se, aí, tanto a via de reflexão racionalista, desenvolvida desde um Descartes, Spinoza ou Leibniz, quanto também a via do empirismo anglo-saxônico, presente em um David Hume, um Shaftesbury e um Edmund Burke. Contudo, é-nos de especial interesse a pletora de reflexões estéticas presente na filosofia de terras alemães desde a passagem do XVIII até o início do XX. Este período tem por início o zênite da pretensão filosófica clássica, presente nos sistemas de arte do idealismo filosófico (Schiller, Fichte, Schelling e Hegel), mas se segue, ao longo do século XIX, com pensamentos tão potentes quanto diversos como os Arthur Schopenhauer, Soren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche e Wilhelm Dilthey. A filosofia do século XX, principalmente aquela desenvolvida, de um lado, pela tradição crítica da Escola de Frankfurt (Theodor Adorno, Walter Benjamin e Herbert Marcuse), e, por outro, pela fenomenológica e hermenêutica de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, importa-nos em igual medida. 

Na segunda frente, trabalhamos com as contribuições da sociologia, da antropologia e da psicologia para a reflexão, ao mesmo tempo, no campo das artes e no dos afetos e emoções, investigando em torno de contribuições clássicas e neoclássicas dos respectivos campos disciplinares. Na sociologia e na antropologia, trabalhamos com textos clássicos, como os de Karl Marx, de Émile Durkheim, de Marcel Mauss, de Max Weber, de Gabriel Tarde e de Georg Simmel, mas também com neoclássicos e contemporâneos, como Claude Lévi-Strauss, Alfred Gell, Norbert Elias, Pierre Bourdieu, Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. 

Por fim, buscamos dialogar com a filosofia francesa pós-estruturalista (Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida), bem como trazer contribuições teóricas contemporâneas (como Arthur Danto, Jean-Marie Schaeffer, Jacques Rancière e Giorgio Agamben). Incluímos, igualmente, a recentemente denominada “virada afetiva” nas humanidades, de traços fortemente deleuzianos, com a emergência de filosofias, sociologias e antropologias das emoções, dos afetos e das intensidades.

4. A enumeração de autores não nos deve enganar a respeito do ponto de vista metodológico que nos anima. Isso porque nós nos propomos uma investigação em torno da estética e das artes que se recuse a fragmentá-las pela especialização em grandes autores e comentário de textos. Ao contrário, o ponto de partida de tal empreendimento está na formulação da problemática estética no interior do processo histórico de modernização e das transformações das sociedades contemporâneas. Isso será apresentado no delineamento completo do presente Plano de Convergência.

Por ora, basta-nos dizer que se, no segundo segmento, centramos sobre o processo de modernização com o advento do “homo aestheticus”, para falarmos com Luc Ferry, a atenção é orientada, no quarto segmento, para as transformações contemporâneas que, para alguns, acarretam na dissolução da experiência estética e, mesmo, no fim da arte, ao passo que, para outros, conduz-se ao sentido inverso de uma “estetização do mundo”. Para compreender o que nos acontece neste entrecruzamento entre experiência sensorial-afetiva, condição existencial, criatividade humana e formas de subjetivação, debruçamo-nos sobre a literatura contemporânea de filosofia e sociologia da arte, bem como sobre aquelas que versam sobre a experiência afetiva e as formas de expressão de si em tempos de modernidade tardia.

* Imagem: Releitura do obra Davi de Michelangelo. Composição via Deep dream.

Em breve será disponibilizado aqui o delineamento completo do Plano


Projetos em andamento:

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q.02

por Anders Noren

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