Pontos de Leitura. Todo amor verdadeiro interessa a toda a humanidade, por Alain Badiou

Quem não começa pelo amor jamais saberá o que é a filosofia: esta é a intuição fundamental de Platão. No amor, há a experiência da passagem possível da pura singularidade do acaso a um elemento que tem um valor universal. Aprende-se, com ele, que podemos experimentar o mundo a partir da diferença, e não apenas da identidade. E se pode aceitar as provas, pode-se aceitar sofrer por isso.

Ora, no mundo atual, a convicção largamente expandida é a de que cada um segue apenas seu interesse. Então o amor é uma contra-prova. Se ele não é concebido como apenas troca de vantagens recíprocas, ou se não é calculado longamente, de forma prévia, como um investimento rentável, o amor é verdadeiramente esta confiança feita ao acaso. Ele nos conduz pelas fronteiras de uma experiência fundamental do que é a diferença e, no fundo, na ideia de que se pode experimentar o mundo do ponto de vista da diferença, que é uma experiência pessoal da universalidade possível, e que ele é filosoficamente essencial”

(…)

O amor é uma construção de verdade. Todo amor é uma verdade nova sobre a diferença. Amamos o amor porque amamos as verdades. Todos amam as verdades, ainda que não saibam que as amam.

Verdade sobre o que, vocês perguntam? Pois bem, verdade sobre um ponto de vista muito particular: o que é o mundo quando se experimenta a partir do dois e não do um? O que é o mundo examinado, praticado e vivido a partir da diferença, e não a partir da identidade?

Eu penso que o amor é isto (…) construir um mundo de um ponto de vista descentrado em relação à minha simples pulsão de sobrevivência ou de meu interesse bem compreendido. Apoiado sobre o ombro de quem eu amo, eu vejo, digamos, a paz da noite de algum lugar na montanha, a floresta de um verde dourado, a sombra das árvores (…) e que eu sei, não por sua face, mas no próprio mundo tal qual ele é, que aquela que amo vê o mesmo mundo, e que esta identidade faz parte do mundo, e que o amor é justamente, neste próprio momento, este paradoxo de uma diferença idêntica, e logo o amor existe, e promete existir ainda. É que ela e eu somos incorporados a este único Sujeito, o Sujeito do amor, que aborda o desdobramento do mundo através do prisma de nossa diferença, de forma que este mundo advém, ele nasce, no lugar de somente ser o que preenche meu olhar pessoal.

O amor é risco e aventura. Ele é adverso à mentalidade securitária, do conforto e do interesse. Mas ele é também adverso à concepção libertária de uma fluidez valorosa. Isso porque o amor é, antes de tudo, uma construção durável. A declaração de amor se inscreve na estrutura do acontecimento, do encontro. Amor é uma declaração e uma promessa de eternidade no tempo, que deve se realizar ou se desdobrar como puder no tempo. O amor é, digamos, uma aventura obstinada. O lado aventuroso é necessário, mas ele é, principalmente, obstinação. Deixar cair no primeiro obstáculo, na primeira divergência séria, nos primeiros aborrecimentos, é tão somente a desfiguração do amor. Um amor verdadeiro é aquele que triunfa duravelmente, por vezes duramente, diante dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem.

O amor é sempre a possibilidade de assistir ao nascimento do mundo. Ele inventa um modo diferente de durar na vida. A existência de cada um, na prova do amor, se confronta com uma temporalidade nova. Certamente, para falar como o poeta, o amor é também o “duro desejo de durar“. Mas, mais ainda, ele é o desejo de uma duração desconhecida. Porque, todo mundo sabe disso, o amor é uma reinvenção da vida, é reinventar esta reinvenção. O nascimento de uma criança, se ela existe no amor, é, enfim, um dos exemplos desta possibilidade.

(…)

Ora, o amor, como todo procedimento de verdade, é essencialmente desinteressado: seu valor reside nele mesmo, e este valor está além dos interesses imediatos dos dois indivíduos que estão engajados nele. (…) Enfim, sendo o amor um procedimento de verdade, sendo ele uma promessa de eternidade na duração inscrita no tempo, sendo ele a reinvenção do mundo pela experiência da diferença, produtora do universal, temos que assumir, em poucas palavras, a necessidade de defendê-lo a todo custo: pois, todo amor verdadeiro interessa a toda a humanidade.

Alain Badiou, Elogie de l’amour, 2009.
Achado de André Magnelli

Fonte da imagem: Alain Badiou, Paris, le 6 novembre 2017. Foto Frédéric Stucin


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por Anders Noren

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