Quando um ministro da educação não sabe o que é escrever e pensar

Por Aldo Tavares*

Ungido por padres e pastores, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, soube escolher, pela segunda vez, o melhor nome para ministro da Educação: Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, conhecedor profundo da educação brasileira – em particular, da Filosofia – pela razão de ter dedicado sua vida à economia. Mestre em administração na área de finanças pela Fundação Getúlio Vargas, o ministro da Educação trabalhou no Banco Votorantim por 18 anos, onde foi economista-chefe e diretor. O presidente o escolheu porque Abraham Weintraub foi indicado por outro conhecedor profundo da educação brasileira e da Filosofia, Onyx Dornelles Lorenzoni, formado em medicina veterinária. O que esperar do MEC quando médico veterinário indica executivo do mercado financeiro para ministro da Educação e capitão do Exército bate continência?

Abril, 26. Abraham Weintraub declara por redes sociais que recursos públicos serão retirados das faculdades de Filosofia e de Sociologia por serem muito mais úteis aos ensinos fundamental e médio, pois crianças e jovens devem aprender a ler e a escrever. “Acho que a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto. Então, o que a gente tem de ensinar para as crianças, para os jovens? São, primeiro, habilidades de poder ler, de escrever, de fazer contas”, disse. Com tais palavras, Weintraub mostra que conhece a fundo os problemas da leitura e da escrita nas escolas, além de conhecer mais do que franceses e alemães a inutilidade da Filosofia e da Sociologia nas faculdades públicas.

Sobre o que o ministro disse acima, destaco “habilidade de escrever” e sua relação com a Filosofia, que Weintraub ignora. Quando escrevo, meu raciocínio busca adequar o pensamento a uma estrutura textual; entretanto, antes de escrever, conheci o que é pensar por meio, por exemplo, de Parmênides, de Heráclito, de Platão, de Aristóteles, de Santo Agostinho, de São Tomás de Aquino, de René Descartes, de Espinosa, menos por meio de Olavo de Carvalho, que não é filósofo. Então, pergunto: quem aprende a escrever nas aulas de Língua Portuguesa não tem de aprender o que é pensar antes? Se crianças e jovens franceses estudam René Descartes, visto que “pensam, logo existem”, crianças e jovens brasileiros não deveriam ser educados a pensar. Ministro, o que vem antes, aprender a escrever na aula de Língua Portuguesa ou aprender a pensar na aula de Filosofia? Com que disciplina, ministro, aprende-se a pensar? O que é pensar?  

Por meio da gramática, a Língua Portuguesa ensina a estruturar textos; a Filosofia, porém, estruturou a gramática na época helenista porquanto o saber filosófico estruturou, antes da ciência gramatical, o pensamento enquanto pensamento, ou seja, a Filosofia subjaz a gramática. Abraham Weintraub deve ter lido “A vertente grega da gramática tradicional”, de Maria Helena de Moura Neves, onde se lê o surgimento da ciência gramatical em sua nascente, a Filosofia; na Pátria Amada, porém, a gramática se esqueceu de que nasceu da Filosofia.

“A habilidade de escrever” não se reduz às aulas de Língua Portuguesa, já que o professor de Filosofia pode ensinar o aluno a produzir texto filosófico, compreendendo texto filosófico como rede conceitual dissertada ou argumentada, por exemplo, no Enem. O ministro da Educação, entretanto, forma um abismo entre a Filosofia, mãe de todas as disciplinas, e um de seus frutos: a gramática, ciência que ensina a ler e a  escrever.

“Habilidade de escrever” é habilidade de estruturar, o que significa dizer que “habilidade de escrever” é também organização semântico-sintática. No sentido comum, “estrutura” é sinônimo de “organização”, ou seja, se “habilidade de escrever” é habilidade de estruturar ou de organizar correlações semânticas em muitas sintaxes correlacionadas, estrutura ou organização é meio por que passa o pensamento. Pensar antecede ao pensamento.

O Facebook pergunta “no que você está pensando?”, e o ministro Weintraub acredita que escrever em Face é pensar. O mínimo que se escreve são recognições, assim como eu as escrevo neste artigo. Segundo Deleuze, “pensar é criar conceitos”. O aluno deve adquirir “habilidade de escrever” nas aulas de Língua Portuguesa, mas isso não significa “habilidade de pensar”, e sim habilidade de recognição, isto é, ele pode repetir ideias ordinárias e obter nota máxima no Enem, pois seu texto apresenta correção gramatical, estrutura organizada, clareza de ideias comuns. Porque pertence a ela educar a pensar, fora da Filosofia não existe pensar, só recognições.

“A função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto”, só que Weintraub não o respeita, pois, com seu currículo lattes de executivo do mercado financeiro e indicado por um médico veterinário, o contribuinte mais exigente não pagaria imposto para manter no MEC Abraham Weintraub, que ignora o diálogo entre  professores de Filosofia e de Gramática, relação interdisciplinar desde a Grécia antiga. Diz Aristóteles: “a grammatiké compreende o ensino da escrita e da leitura”. Mas eis o problema: não se lê Aristóteles no Banco Votorantim, só Olavo de Carvalho é lido.

 

* É livre-pesquisador do Ateliê de Humanidades e professor de filosofia

   

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